SOCIOLOGIA BRASILEIRA E QUESTÃO INDÍGENA
A formação cultural do Brasil se deu basicamente por três matrizes culturais: a do negro (africano), a do europeu (predominantemente o português) e a indígena.
O PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO
Por cada uma delas, se pudéssemos avaliar, chegaríamos à ideia de que ainda existem as “dissidências”, ou melhor, particularidades que mereceriam ser avaliadas em seus específicos símbolos e ritos.
Porém, se tomarmos como base cultural as três e se entendermos que através de um processo histórico todo, próprio do Brasil, de miscigenação e contato entre as três matrizes, chegaremos a um denominador comum não muito simples nem fechado: no Brasil ocorre o fenômeno do multiculturalismo.
Desta forma, podemos ter um breve entendimento sobre o quão complexo foi e ainda é o do nossa formação e do chamado povo brasileiro. Buscaremos refletir sobre os principais pontos de autores que lançaram seus esforços com o objetivo de compreender e explicar esse rebuscado processo de construção de nação.
A QUESTÃO RACIAL EM FOCO
Não é possível falar em Brasil sem levar em consideração todos os debates e conflitos que envolvem a ideia de “raça”. Como já discutimos, raça é uma noção problemática cuja construção é cercada de visões de superioridade e inferioridade de uma “raça” em relação às demais e no Brasil essa discussão foi decisiva para nosso pensamento social.
A Hierarquia das Ideias
Um dos primeiros a buscar entender essa construção de nação a partir da raça foi Francisco José de Oliveira Vianna (1883 – 1951). Em sua obra, com vertentes racistas e eugenistas, o autor afirma que o “brasileiro” é definido a partir de sua miscigenação racial e essa miscigenação traz mais do que traços de fenótipos. A mestiçagem constrói um povo que possui traços psicológicos tão diversos quanto são variadas as construções psicológicas do branco, do negro e do indígena.
Entretanto, o ponto central para Oliveira Vianna é que essa diversidade de traços psicológicos possui uma hierarquia, ou seja, há ideias e perspectivas que são melhores e superiores a outras. Sem essa hierarquização – e o Estado teria papel importante nesse processo, bem como no de centralizar uma unidade nacional – o povo brasileiro estaria em um constante cenário de desordenamento social, cultural e politico, mantendo o país em um contexto de atraso.
A Democracia Racial
Gilberto Freyre (1900 – 1987), chamava atenção em suas análises para a grande diversidade a partir de uma pré-disposição do povo português de assimilar novos símbolos, trocar com eles, uma visão multiculturalista, vista como uma rede de significados, como um grande tecido composto por vários fios que se entrelaçam e formam a cultura brasileira, tão própria e única em formação, símbolos e construtora de uma identidade própria.
Nos anos de 1930, ocorreram tentativas de modificar a visão social acerca dos negros. Freyre em seu livro “Casa Grande e Senzala” busca valorizar os aspectos da miscigenação como fator importante e benéfico para a sociedade brasileira, contrariando visões anteriores que buscavam uma espécie de branqueamento da população. Freyre acabava por se tornar um defensor da existência de uma “democracia racial”, defendendo uma noção de identidade nacional baseada na convivência racial pacífica e harmoniosa no Brasil.
A Democracia Racial como mito
Florestan Fernandes (1920 – 1995), ao lado de outros dois nomes das ciências sociais, Otávio Ianni e Fernando Henrique Cardoso, foi convidado a realizar um estudo sobre a formação do povo brasileiro, mais precisamente sobre a condição de vida da população afrodescendente no Brasil República. Chegaram à conclusão de que predominaram as relações de opressão, de hierarquia e de exploração. Toda essa ideia questionava a percepção “harmônica” até então colocada pelos outros cientistas e “esquecia ou encobria” os conflitos até então presentes nessas relações, ainda que saibamos de nossa condição intercultural, denunciada por Florestan Fernandes.
Em seu livro “A integração do negro na sociedade de classes”, de 1965, Fernandes aborda as dificuldades e percalços encontrados para um verdadeiro processo de inclusão. A sua posição principal é a de que a democracia racial é um mito, uma vez que a exclusão racial é presente em diversas estruturas e instituições sociais brasileiras.
O HOMEM CORDIAL
Ao se falar de pensamento social brasileiro, a figura de Sérgio Buarque de Holanda (1902 – 1982) possui destaque. Transitando entre a História e as Ciências Sociais, produziu, entre outras tantas obras, Raízes do Brasil, na qual constrói a noção de “homem cordial”. Contrariando o que a primeira impressão pode dar conta, o “cordial” não significa, para Sérgio Buarque de Holanda, bons modos, polidez ou afetuosidade, mas é aquilo que se refere ao coração.
A partir disso, o autor entende que um dos traços mais significativos do brasileiro é a permanente inclinação de colocar o aspecto individual e as relações familiares e pessoais como prioritários frente às relações profissionais e de aspecto público. Em outras palavras, o então “brasileiro” tem uma propensão para recusar a impessoalidade dos ordenamentos jurídicos e administrativos, colocando interesses e modos de ser particulares sobre a prática impessoal.
Como a explicação do “homem cordial” dá a entender, Sérgio Buarque de Holanda enxerga com preocupação esse “jeito de ser brasileiro”, pois, além de não significar, necessariamente, um caminho para a amizade e compaixão, essa “cordialidade” estabelece um cenário permanente de dificuldade no cumprimento de procedimentos legais e de rituais sociais que demandam formalidade e, sobretudo, estabelecem uma confusão entre aquilo que é público e aquilo que é privado, abrindo espaço para práticas de patrimonialismo dentro do Estado.
A QUESTÃO INDÍGENA
No contexto da miscigenação e do multiculturalismo, é importante lembrar Darcy Ribeiro (1922 – 1997). Esse pensador afirma que o Brasil se constituía numa rede de significados, códigos e nomes antes do colonizador. As organizações e matrizes indígenas se davam por aspectos linguísticos, configurando uma diversidade de etnias, os chamados “Brasis”. Os povos que mais tiveram contato com os colonizadores foram os tupinambás. Os costumes antropofágicos ligados aos rituais de guerra e à espiritualidade exibiam um “Código de Ética” em relação ao inimigo.
Além disso, dentro da organização sociocultural de muitos desses povos, o temperamento alegre, festivo e caloroso estava presente na celebração tanto de fenômenos da própria natureza quanto da organização e das relações entre os que compartilhavam dessa matriz.
Essas palavras nos apresentam algo fundamental e, por vezes, negligenciado: a riqueza, a complexidade e, principalmente, a diversidade existentes entre os povos indígenas que habitaram e ainda habitam o território que é hoje conhecido como Brasil.
E QUEM SÃO OS INDÍGENAS?
Tendo em vista a complexidade e diversidade entre os povos indígenas, como entender ou definir o “indígena”. Quais características culturais e históricas constroem essa identidade?
O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, profundo estudioso dos povos e história indígena, afirma que o índio é um membro de uma comunidade indígena que é reconhecido por ela como tal e a “comunidade indígena” é aquela comunidade baseada na relação de parentesco e vizinhança entre seus membros que possuem laços históricos e culturais com as comunidades e organizações indígenas pré-colombianas.
Dentro da esfera institucional, temos a definição do Estatuto do Índio (Lei 6001/1973) que diz:
“Índio é todo indivíduo de origem e ascendência précolombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional.”
Dessa forma, na reflexão dentro do espaço acadêmico ou no Estado, temos o entendimento que a identidade indígena é construída a partir de um processo de diferenciação em relação à sociedade branca. Constitui-se, então, uma iniciativa de afirmação e propagação de traços culturais, línguas, raízes históricas e modos de ser específicos dos indígenas, sendo esses complexos e diversos dentro dessa vasta noção de “povos indígenas”.
⇫ Raoni Metuktire, da etnia caiapó, um dos mais
conhecidos líderes da causa indígena ⇫