PERÍODO JOANINO
O projeto que objetivava transferir a sede da monarquia lusa para o Brasil é antigo, remontando a uma série de pensadores portugueses, como por exemplo o Padre Antônio Vieira. A proposta mais sólida surgiu, pela primeira vez, através de Rodrigo de Souza Coutinho, o Conde de Linhares, ministro de D. Maria I
CONTEXTO HISTÓRICO
No final da década de 1790, no contexto da Revolução Francesa, advogou Coutinho que transferir a sede da monarquia para o Rio de Janeiro traria uma dupla vantagem: a proximidade das riquezas naturais da colônia, muito mais abundantes do que as da metrópole, e o distanciamento das turbulências sociais que assolavam o Velho Continente, garantindo paz e estabilidade para a Corte absolutista portuguesa. O projeto, no entanto, foi guardado pelas lideranças lusas, e posto em prática no início do séc. XIX, durante as Guerras Napoleônicas.
Em 1806, o imperador francês Napoleão Bonaparte impôs o Bloqueio Continental, proibindo a comercialização das nações europeias com a Inglaterra, sob ameaça de invasão caso alguma nação não acatasse às suas imposições. Portugal, ao considerar as estreitas relações que historicamente mantinham com os ingleses, não adere o bloqueio, desencadeando na invasão francesa rumo a Lisboa em 1807. A Corte portuguesa foi obrigada, então, a abandonar o reino em 29 de novembro daquele mesmo ano, sob escolta da Armada inglesa rumo ao Brasil. A comitiva real contava com cerca de 15 mil pessoas, que representavam parte da aristocracia e burocracia lusa. A decisão atendia aos interesses da Inglaterra, desejosa em furar o Bloqueio Continental através do comércio direto com a América. A transferência da Corte também representava uma sobrevida ao colonialismo português na região, pois, após a independência das 13 colônias e as primeiras sedições reprimidas ao final do século XVIII, a permanência da Coroa no Rio de Janeiro garantia um maior controle sobre o Brasil.
A PRESENÇA JOANINA E O FIM DO PACTO COLONIAL
Em 28 de janeiro de 1808, ainda em Salvador, foi aprovado o primeiro ato administrativo importante no Brasil pelo então príncipe regente, D. João: a abertura dos portos às nações amigas. Na prática, significava o fim do Pacto Colonial mercantilista português e o início da transferência do Brasil à esfera de influência do nascente capitalismo industrial inglês. Os registros de importações de produtos ingleses como patins de gelo e roupas de lã, tornaram-se célebres na historiografia que busca ridicularizar esta relação de dependência. A concorrência inglesa seria extremamente prejudicial para qualquer pretensão de projeto de desenvolvimento manufatureiro no Brasil.
Em 7 de março de 1808, após desembarcar finalmente no Rio de Janeiro, D. João organizou as primeiras instituições burocráticas que tinham por objetivo atender às demandas da aristocracia recém-chegada. Foram abertas as Mesas do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens, a Intendência Geral da Polícia, a Real Academia Militar, a Academia da Marinha e a Casa da Suplicação. A cidade também sofreria mudanças com tamanha comitiva chegando ao Rio de Janeiro. Os bairros passariam por um crescimento urbano repentino e alguns colonos foram agraciados com a escolha de suas residências para membros da Corte. Os moradores que recebiam o selo P.R. (Príncipe Regente) eram obrigados a deixar suas casas em favor dos nobres que acompanhavam a Família Real. A população rapidamente ironizou a medida como carimbo do “ponha-se na rua”.
A criação da Imprensa Régia, em 13 de maio de 1808, inaugurou a existência de órgãos de imprensa no Brasil. Ela marcou um novo momento cultural e político que o país vivia, e tinha como função básica informar a população sobre medidas inerentes ao poder público. O segundo órgão de imprensa foi o Correio Braziliense de Hipólito José da Costa. O Correio, entretanto, era publicado em Londres. Coube, portanto, à Gazeta do Rio de Janeiro o título de primeiro jornal publicado no Brasil, em setembro de 1808. A imprensa, todavia, ficaria sob censura da força policial, já que a Corte ainda estava temerosa pela provável difusão de ideais liberais.
A primeira instituição financeira criada nestas terras foi o Banco do Brasil, segundo o Alvará Régio de 12 de outubro de 1808. Ele reunia uma série de funções, dentre as quais levantar recursos para a sustentação da Família Real, organizar os pagamentos dos proventos de burocratas, soldos militares, pensões e fomentar a atividade econômica. D. João valeu-se, basicamente, de dois expedientes para levantar fundos para a criação do Banco do Brasil: a oferta da Comenda da Ordem de Cristo para aqueles que investissem no Banco e a criação de um imposto sobre atividades lojistas e de navegação.
A criação da Livraria Pública, do Jardim Botânico e da Escola Real de Artes e Ofícios se insere no conjunto de medidas joaninas. O governo autorizou, ainda, que estrangeiros pudessem realizar viagens de pesquisa científica pelo Brasil. Os viajantes europeus, Debret, Von Langsdorf, Maria Graham, Pohl, Rugendas, Saint-Hilaire, Spix e Von Martius retrataram os aspectos naturais e urbanos desta terra, desde o governo de D. João até o período da monarquia nacional, sendo suas anotações, desenhos e diários, importantes fontes de consulta para os historiadores. Em 26 de março de 1816, por exemplo, desembarcou, no Rio de Janeiro, a Missão Francesa, trazendo artistas do calibre de Debret, Nicolau Taunay, Augusto Maria Taunay, entre outros.
Em 1810, foram assinados os Tratados de Aliança e Amizade e de Comércio e Navegação com a Inglaterra. Os Tratados de 1810 foram negociados por lorde Strangford e D. Rodrigo de Souza e Coutinho e evidenciam a hegemonia britânica, iniciada, simbolicamente, em 1703, pelo Tratado de Methuen, sobre o Reino de Portugal. Os Tratados estabeleciam a proibição da Inquisição nos domínios coloniais portugueses e a liberdade de consciência e religião para os súditos ingleses, além do direito de serem julgados segundo suas leis e seus tribunais no caso de infrações cometidas nas regiões de domínio luso, sem, contudo, haver reciprocidade, pois os portugueses poderiam gozar da “reconhecida equidade da jurisprudência britânica” no caso de delitos cometidos em áreas de soberania inglesa. O ponto mais polêmico, contudo, coube aos direitos de alfândega, os quais passariam a favorecer os produtos ingleses, pois estes pagariam 15% de imposto ad valorem ad valorem, enquanto os portugueses pagariam 16% e outras nacionalidades, 24%. Os Tratados de 1810 discorriam, ainda, sobre a progressiva extinção da escravidão, o que foi totalmente ignorado e deu origem ao termo “leis para inglês ver”.
REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA (1817)
Em 1817, D. João enfrentou uma revolta em Pernambuco, de caráter separatista e republicano. Um governo provisório pernambucano foi instituído após a expulsão do governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro, decretando o aumento do soldo da tropa, a extinção de impostos, as liberdades de imprensa e religião além da convocação de uma Assembleia Constituinte. O movimento contagiou Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte. A falta de apoio externo, o bloqueio naval imposto pelo governo e a desistência dos grandes proprietários, que temiam a radicalização da revolta, provocaram a queda do governo revolucionário. O processo que se seguiu condenou mais de 200 pessoas, dentre as quais muitos membros da Igreja Católica. Em 1821, após a Revolução do Porto, seria concedida uma anistia geral.
POLÍTICA EXTERNA
No período joanino, houve, ainda, duas ações militares contra territórios vizinhos. Em janeiro de 1809, 700 soldados luso-brasileiros, apoiados pela Marinha inglesa, invadiram Caiena e mantiveram a colônia francesa da Guiana sob tutela portuguesa. O território seria devolvido somente em 1817.
Em julho de 1821, houve uma nova ação militar, desta vez no sul, ocupando a província Cisplatina, que se tornaria independente em 1828, com o nome de República Oriental do Uruguai.
Em 1815, o Brasil foi elevado ao status de Reino Unido a Portugal e Algarves, como condição para que o Príncipe Regente D. João tivesse legitimidade no Congresso de Viena. E, em 1818, após a morte da rainha Maria I, D. João receberia, finalmente, o título de D. João VI, com o qual ficaria mais conhecido na História.
PROCESSO DE EMANCIPAÇÃO
O processo de crise do Antigo Sistema Colonial no Brasil teve suas primeiras manifestações no final do século XVIII. A transferência da Corte portuguesa para a América, contudo, serviu como um catalisador para o processo de independência de 1822. A abertura dos portos em 1808 marcou o fim do exclusivismo metropolitano, enquanto as inovações administrativas, burocráticas e urbanas, davam uma nova feição ao país, sobretudo ao Rio de Janeiro. O surgimento de uma elite ilustrada, apesar da manutenção da censura, seria condição indispensável para o processo de rompimento político. A elevação do Brasil a Reino Unido, a despeito de seu caráter formal, mostra a importância que a outrora colônia passava a ter para a Corte. O marco mais recente para tratarmos o processo de Independência do Brasil, contudo, foi a Revolução Liberal do Porto.
A revolução acima mencionada começou em 24 de agosto de 1820 e insere-se no capítulo das revoluções liberais do século XIX, determinando a superação do Antigo Regime em Portugal. A Revolução apresentava um binômio ideológico aparentemente contraditório, calcado no discurso liberal para Portugal ao exigir:
• o retorno de D. João VI, que ainda se encontrava no Rio de Janeiro
• a elaboração de uma Carta Constitucional por uma Assembleia Nacional
• o retorno do Pacto Colonial mercantilista para o Brasil, denominado de Princípio da Recolonização
Os envolvidos na Revolução, militares, comerciantes, magistrados e burocratas, apesar do tom social moderado, expressavam um forte sentimento contra a dominação inglesa e propunham uma redefinição no trato com o Brasil, que pudesse beneficiá-los.
Os processos que o Parlamento inglês e os Estados Gerais franceses sofreram em 1688 e 1789, respectivamente, seriam muito semelhantes com aquele que as Cortes portuguesas passariam em 1820. As Cortes, até então meramente consultivas, transformar-se-iam em órgãos legislativos de caráter deliberativo, com o intuito de elaborar uma Constituição que colocasse um freio no absolutismo lusitano. Em 1821, as províncias do norte e nordeste aderiram ao movimento liberal português, também denominado de Regeneração Vintista. Os militares e a população do Rio de Janeiro também foram empolgados pelo movimento.
A Constituição seria proclamada em 23 de setembro de 1822. A conjuntura política de Portugal, entretanto, marcaria um discreto retorno ao regime de caráter autoritário, que levaria aos conflitos nacionais após 1826.
No Brasil, a ameaça de recolonização da Revolução do Porto criou um clima de apreensão que desencadearia o processo de independência política. Os comerciantes reinóis que viviam na América, denominados de Partido Português, ansiavam pelo retorno do do status quo de antes, pois gozariam, pois gozariam da exclusividade colonial mercantilista que os beneficiariam. A aristocracia rural, consubstanciada no chamado Partido Brasileiro, apresentava um discurso liberal econômico e moderado em termos sociais. Os brasileiros, muitos dos quais bacharéis da Universidade de Coimbra, invocavam os direitos de livre-comércio, propriedade privada e de manutenção da escravidão. Um terceiro grupo, denominado de “liberais radicais”, defendia uma plataforma política jacobinista, pregando abertamente a Independência, o abolicionismo e a República.
D. João VI, que seria forçado pelo movimento português a retornar à Europa em 26 de abril de 1821, manteve no Brasil seu filho, D. Pedro, como príncipe regente, tendo advertido-o a “conduzir a revolução antes que um aventureiro a fizesse”. Em 29 de setembro de 1821, as Cortes portuguesas anunciam a intenção de restabelecer as relações monopolistas mercantilistas, interrompidas pela abertura dos portos de 1808. Em 9 de janeiro de 1822, D. Pedro, associado à elite brasileira coimbrã, decide não retornar para Portugal, em um episódio conhecido como “Dia do Fico”. Em 1* de agosto, diante da intransigência portuguesa, o príncipe regente determina que qualquer decisão vinda da Europa somente poderia ser acatada com a sua aprovação e declara que as tropas lusas no Brasil seriam tratadas como inimigas. Em 7 de setembro de 1822, o príncipe Regente declara, através do célebre Grito do Ipiranga, a independência formal do Brasil
O cientista social Florestan Fernandes qualificou a Independência do Brasil como uma “revolução conservadora”, pois, a despeito de promover o rompimento político do Reino Unido americano, manteve a estrutura latifundiária agroexportadora e escravista. As relações de dependência para com a Inglaterra também seriam mantidas e, em certo sentido, até mesmo reforçadas, como, por exemplo, através de dívida externa que o país foi obrigado a contrair para ter seu novo status político reconhecido por Portugal, que somente o fez oficialmente em 29 de agosto de 1825. A Inglaterra, assim como Portugal, também favorecida com direitos de alfândega no Brasil, reconheceu o novo país em 17 de agosto de 1827.
A independência da América Portuguesa guardou ainda outras peculiaridades. Ao contrário do que ocorreu na América Espanhola, no Brasil não houve uma mobilização militar nacional que pudesse ser qualificada como “Guerra de Independência”. Ademais, o país conservou sua integridade territorial e a manutenção do sistema monárquico com D. Pedro I representando a continuidade da Casa de Bragança. Um outro aspecto, contudo, aproximou os processos latino-americanos: a marginalização das classes populares do processo político. O naturalista francês Saint-Hilaire, que se encontrava no país, chegou a declarar que “a massa popular a tudo ficou indiferente”, referindo-se a não participação das camadas populares no fenômeno político de 1822.