Engenharia Genética
BIORREMEDIAÇÃO
Muitos desastres ambientais provocados ou exacerbados pela atividade humana são solucionados pelo próprio meio quando há tempo suficiente para isso. O ambiente se reorganiza de forma que a vida, mesmo que através de micro-organismos, volte a habitar aquele local.
Em algumas situações, no entanto, não há tempo suficiente para que esse processo se estabeleça naturalmente sem que populações (humanas ou não) continuem a ser prejudicadas. Isto envolve casos de contaminação por poluentes químicos, por exemplo. Nestes casos, o uso de outros organismos vivos pode auxiliar na resolução do problema e, a isso, chamamos biorremediação.
Um caso bastante estudado envolve o uso de bactérias dos gêneros Alcanivorax sp., Colwellia sp. e Cycloclasticus sp., capazes de degradar componentes do petróleo. A utilização destes micro-organismos vem sendo pesquisada como uma possibilidade em casos de acidentes envolvendo plataformas ou embarcações petrolíferas, uma vez que através de seu metabolismo, as substâncias tóxicas são modificadas em moléculas menos prejudiciais ao meio-ambiente.
É importante ressaltar que a introdução de organismos em um ambiente, mesmo em casos de biorremediação, deve ser cautelosamente estudada. A ausência de predadores, parasitas ou competidores eficientes pode levar à proliferação destas espécies introduzidas que, então, podem causar novos e mais graves problemas.
CLONAGEM
Outra situação que pode ser minimizada pelo uso de ferramentas biotecnológicas é a extinção de espécies. Nestes casos, devemos pensar na clonagem – técnica amplamente utilizada para conservação de espécies vegetais e que, aos poucos, vem sendo melhor compreendida para outros tipos de organismos.
CLONAGEM REPRODUTIVA
Quando o objetivo almejado é gerar um maior número de indivíduos de uma espécie, a clonagem reprodutiva deve ser a modalidade aplicada. Pensando em animais, é necessário obter o material genético do indivíduo a ser clonado, um óvulo compatível que deverá ser “fertilizado” e uma fêmea incubadora na qual o embrião completará seu desenvolvimento. O esquema a seguir ilustra as principais etapas utilizadas na primeira clonagem de mamífero da história, realizada pelo pesquisador inglês Ian Wilmut, que deu origem à ovelha Dolly.
Nesta ilustração vemos que uma ovelha (indivíduo 1) foi clonada através do isolamento do núcleo de uma célula somática. Este núcleo, contendo o material genético a ser clonado foi introduzido em um óvulo anucleado proveniente de outra ovelha (indivíduo 2). Ao fusionar o núcleo somático ao óvulo anucleado, os cientistas simularam algo como a fecundação deste óvulo. A diferença, neste caso, é que o zigoto formado não continha a combinação do material genético de dois organismos, mas o genoma idêntico aquele pertencente ao indivíduo 1. A implantação do embrião em uma fêmea incubadora (“barriga de aluguel”) possibilitou o desenvolvimento do embrião até o final da gestação.
Na clonagem reprodutiva de um animal, o clone apresenta as mesmas características do organismo clonado, ou seja, do indivíduo doador do núcleo somático. Neste caso, apenas o DNA mitocondrial é comum ao óvulo anucleado utilizado, mas este não contribui significativamente na determinação da maioria dos fenótipos do clone.
CLONAGEM TERAPÊUTICA
Quando um indivíduo sofre com uma doença que causa a lesão de um determinado tecido, o processo mais comum de cicatrização envolve a substituição do tecido original por tecido conjuntivo que apenas “ocupa o espaço” no órgão afetado. Esta substituição, no entanto, costuma levar à perda progressiva da função do órgão em questão, uma vez que o tecido fibrótico não é capaz de exercer o papel do tecido original. Em casos de lesões avançadas, transplantes de órgãos podem ser necessários, mas isso demanda doadores compatíveis que, às vezes, não atendem à demanda de pacientes enfermos.
Neste contexto entra em cena a clonagem terapêutica – uma técnica muito similar à clonagem reprodutiva na qual, no entanto, o óvulo anucleado fusionado ao núcleo somático não é implantado em uma fêmea incubadora, mas cultivado em placas laboratoriais para formar o tecido desejado. Dentre as vantagens obtidas com esta técnica, podemos enumerar: (i) a virtual disponibilidade de tecidos para qualquer paciente, uma vez que não há filas à espera de doadores e, (ii) a compatibilidade imune, uma vez que o tecido gerado apresentará as mesmas características que o paciente, já que foi gerado a partir do seu próprio material genético. Ainda, como as células geradas estão no início do desenvolvimento, seu nível de especialização é baixo, o que possibilita sua diferenciação em qualquer tipo de tecido que seja necessário ao paciente em questão.
CLONAGEM MOLECULAR
Nem sempre o objetivo da clonagem não é a formação de um embrião. Em casos onde se deseje realizar a identificação de um organismo, o único requisito é ter cópias suficientes de seu DNA para que a análise seja realizada, o que é comum em testes de paternidade ou identificação de suspeitos em uma cena de crime, por exemplo.
A clonagem molecular é um processo de replicação do DNA que, ao invés de ser feito pela própria célula do indivíduo, ocorre em um tubo de laboratório nas mãos de um investigador. Para isso, é necessário isolar o DNA a partir de uma amostra biológica (sangue, saliva ou sêmen, por exemplo) e separar o fragmento de DNA a ser analisado a partir do genoma total. Nesta etapa são utilizadas enzimas de restrição (endonucleases) que nada mais são que proteínas com capacidade catalítica capazes de trabalhar como tesouras que clivam o DNA em pontos específicos, separando-o do restante que não interessa à análise.
Após este ponto, a clonagem molecular pode ser realizada de duas formas distintas. Uma delas envolve o uso de bactérias competentes (hospedeiras) que, por se reproduzirem assexuadamente em ritmo acelerado, copiam o fragmento de DNA a ser analisado e geram uma quantidade suficiente de material para uso. Observe o esquema a seguir que representa este mecanismo de uso bacteriano.
Através da atividade de enzimas conhecidas como DNA ligases, capazes de atuar como uma “cola de DNA”, o DNA a ser analisado é ligado ao plasmídeo bacteriano (pequeno DNA extracromossômico). O plasmídeo contendo o DNA a ser analisado é inserido na bactéria competente que o copia inúmeras vezes.
Uma alternativa ao uso de bactérias é o emprego de enzimas isoladas através da técnica conhecida como Reação em Cadeia da Polimerase (em inglês, Polymerase Chain Reaction ou PCR). As enzimas DNA polimerase são comuns a todos os organismos vivos e, uma vez isoladas em tubos laboratoriais, podem ser empregadas para fazer cópias do material genético de interesse, como esquematizado a seguir.
O fragmento de DNA a ser analisado é colocado em um tubo juntamente às enzimas DNA polimerase e iniciadores (em inglês, primers). Estes primers se conectam somente a pontos específicos do DNA, possibilitando copiar apenas a região de interesse através de modificações de temperatura feitas automaticamente pela máquina na qual são colocados os tubos laboratoriais. Na primeira etapa da PCR, a temperatura da máquina é elevada a aproximadamente 95ºC, rompendo as pontes de hidrogênio que unem as duas fitas e causando a desnaturação do DNA. A segunda etapa é caracterizada pela redução da temperatura a aproximadamente 60ºC para que ocorra o anelamento (ligação) dos primers ao DNA a ser copiado. Finalmente, quando a temperatura volta a ser elevada, dessa vez a aproximadamente 70ºC, a DNA polimerase se liga aos primers para que ocorra a extensão da fita de DNA, como uma replicação normal dentro de uma célula.
Eletroforese
Quando a região do DNA a ser clonada não é conhecida ou quando se deseja confirmar que a cópia realizada corresponde ao requerido, as cópias de DNA obtidas pela clonagem molecular são analisadas por eletroforese. Esta técnica consiste em submeter o DNA (inserido em uma matriz gelatinosa) a um campo elétrico. Cada amostra de DNA é depositada em um poço, comumente retangular, que fica mais próximo ao pólo negativo da matriz gelatinosa. Como o DNA apresenta carga negativa devido aos grupamentos fosfato de seus nucleotídeos, ele é atraído para o pólo positivo, como mostrado no esquema a seguir.
Teste de Parternidade
Como pode ser observado, metade das bandas do filho 1 pareiam com as bandas da mãe e a outra metade com a banda do “outro homem”, logo, o “outro homem” é pai do filho 1. Já metade das bandas do filho 2 pareiam com as bandas da mãe e a outra metade com a banda do marido, logo, o marido é pai do filho 2. Os filhos 1 e 2 são irmãos por parte de mãe.
Uma clonagem molecular pode gerar cópias de DNA de diferentes tamanhos. Isto costuma ocorrer quando o indivíduo analisado é heterozigoto para o gene avaliado e, por isso, possui versões alélicas diferentes de DNA. A figura anterior representa um teste de paternidade com esta situação. Observe que o gene analisado possui três alelos, cada um deles representado por uma banda no gel de eletroforese. É possível identificar a paternidade da criança porque sabemos que cada um de seus alelos é proveniente de um dos indivíduos parentais. Como a mãe apresenta apenas o alelo 1, sabemos que este deverá estar presente na criança, o que acontece de fato. O outro trecho de DNA apresentado pela criança é o alelo 3 que precisa ter vindo de seu pai. Assim, como apenas o “possível pai 1” apresenta o alelo 3, conseguimos identificá-lo como pai biológico da criança.
ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS
A capacidade de manipular o genoma de um organismo através das técnicas de engenharia genética que envolvem enzimas de restrição, DNA ligases e DNA polimerases, possibilita alterar as características de um organismo eliminando ou inserindo genes em suas células, o que caracteriza um organismo geneticamente modificado (OGM). O processo que leva à formação de um OGM é muito similar à manipulação utilizada na clonagem molecular e quando um gene de outra espécie é inserido no organismo isso o caracteriza como um transgênico.
Um dos exemplos mais clássicos envolvendo organismos transgênicos consiste na utilização de bactérias para produção de insulina destinada a pacientes com diabetes mellitus tipo 1. Como estes indivíduos apresentam deficiência pancreática na produção endógena de insulina, precisam receber insulina de fontes exógenas o que, inicialmente, era feito pela extração de pâncreas suínos. Obviamente, a insulina suína não é idêntica à humana, o que gerava rejeição por alguns pacientes. Além disso, a demanda por insulina era mais alta do que a capacidade de extração pelos procedimentos existentes, encarecendo o produto. Assim, a excisão do gene humano da insulina e posterior inserção em plasmídeos bacterianos, possibilitou a sua produção em bactérias que, por apresentarem metabolismo acelerado, sintetizam esta proteína em quantidades muito elevadas, reduzindo o seu preço.
A produção de alimentos transgênicos, por outro lado, sempre levou a questionamentos quanto a possíveis consequências negativas que poderiam trazer à saúde humana. O principal problema, na verdade, não diz respeito à instabilidade destes alimentos ou intoxicações que possam provocar pela formação de substâncias até então inexistentes, mas à falta de informação aos consumidores. Ao misturar o material genético de dois organismos, é possível que uma dada espécie passe a produzir substâncias alergênicas que originalmente não seriam suas características, mas características da espécie com quem foi misturada. Isto seria facilmente resolvido com rótulos mais claros que indicassem as substâncias ali contidas.
Ademais, a transferência horizontal de genes entre variedades transgênicas e não transgênicas (selvagens) pode levar ao desenvolvimento de competidores mais eficientes e resistentes que desequilibrem o ecossistema por sobrepujarem outras espécies. Isto torna-se mais relevante pela falta de regulamentação que determine o controle da produção destes organismos em ambiente controlado.
CÉLULAS-TRONCO
A regeneração de tecidos biológicos, como mencionado anteriormente, depende da existência de células com pouca diferenciação (especialização) que apresentem elevada taxa de proliferação, o que caracteriza as células-tronco. No entanto, há diferentes tipos de células-tronco com graus distintos de especialização. A tabela a seguir representa as quatro principais categorias: células-tronco totipotentes, pluripotentes, multipotentes e unipotentes.
O estudo e uso de células-tronco, porém, não é algo tão simples. Os problemas são originados, em grande parte, pela dificuldade de acesso a este material. Células-tronco totipotentes, por exemplo, só podem ser obtidas até a fase de mórula, o que corresponde ao início do desenvolvimento embrionário. A partir do final da blástula e início da gástrula, quando estas células iniciam a formação dos folhetos embrionários, também se perde a pluripotência, uma vez que estas células iniciam caminhos de diferenciação mais determinados, como as células do ectoderma que não serão mais capazes de originar órgãos como rins ou músculos, por exemplo.
O congelamento do cordão umbilical de recém-nascidos é um exemplo de técnica destinada ao uso de células-tronco. O que poucas pessoas imaginam, no entanto, é que estas células são multipotentes e, por isso, darão origem apenas à linhagem hematopoiética. Isto significa dizer, em outras palavras, que não são capazes de atuar na terapia contra o infarto agudo do miocárdio ou mal de Alzheimer, por exemplo.
Há ainda as células-tronco pluripotentes induzidas (em inglês, induced pluripotent stem cells, iPSC) que são a maior esperança para terapias de reparo tecidual. Estas células são, na verdade, células diferenciadas retiradas de um indivíduo e colocadas em cultura laboratorial sobre ação de fatores muito específicos. Este processo promove sua desdiferenciação, regredindo as ao estado de pluripotência e elevando sua capacidade de proliferação e diferenciação em outras linhagens celulares. Assim, seria possível, por exemplo, retirar uma amostra de sangue ou pele e, transformando-a em iPSC, utilizar suas células para tratar qualquer doença degenerativa. Além do potencial de regeneração, esta terapia evitaria a rejeição pelo paciente, uma vez que as características do tecido ou órgão recebido são determinadas pelo seu próprio material genético.