Competência 5 – A nova proposta de intervenção
Muitos alunos atualmente acreditam que todo texto dissertativo-argumentativo deve apresentar proposta de intervenção.
A verdade é que NÃO! A apresentação de uma medida interventiva relacionada ao problema social discutido no texto é uma exigência típica da redação no ENEM. Além de cobrar competências relacionadas à argumentação, estruturação, encadeamento de ideias e domínio do registro culto, o exame exige uma passagem injuntiva, ou seja, um trecho que represente sugestão a ser tomada junto à análise dos problemas. Nesse sentido, surge a competência 5. Mas do que ela trata mesmo?
DO QUE SE TRATA?
Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos.
O QUE ISSO SIGNIFICA ISSO?
A proposta, portanto, representa uma das mais importantes partes do texto dissertativo produzido para o ENEM. É importante, porém, que não esteja relacionada apenas ao assunto (forma ampla), mas ao tema discutido no texto e à sua argumentação.
COMO A GRADE PREVÊ A PONTUAÇÃO?
Será considerada uma boa proposta de intervenção aquela que, além de estar de acordo com a argumentação desenvolvida, for capaz de apresentar os elementos que constituem sua estrutura: agente, ação, meio/modo, detalhamento, finalidade.
COMO ASSIM?
A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS
Em dezembro de 1948, o mundo refletia sobre as consequências da guerra pela qual havia passado. Nunca se vira tanta destruição em massa de vidas humanas, o que havia chegado ao seu ápice, inclusive com a utilização de tecnologia atômica em bombas recémdesenvolvidas. Preocupação com as novas armas, assombro com a brutalidade, horror aos campos de concentração, luta contra o nazifascismo, muitas foram as razões que conduziram vários países a se preocuparem com a preservação da dignidade humana
Em Paris, portanto, surge a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Proclamada em 10 de Dezembro de 1948 com base na resolução 217 (A) III da Assembleia Geral das Nações Unidas, registra o compromisso comum a ser seguido e alcançado por todos os povos e nações, com o objetivo de defesa da integridade do Ser Humano. Pela primeira vez na História da Humanidade, institui-se o compromisso com o fim de proteger universalmente a Pessoa em todas as suas dimensões e o Brasil torna-se naquele momento um dos seus signatários.
Atualmente, a Constituição da República Federativa do Brasil consolida os Direitos Humanos e a dignidade da pessoa humana, bem como apresenta os mesmos fundamentos para o Estado Democrático de Direito.
No ENEM, até 2016, o desrespeito textual a esses critérios implicava eliminação do candidato na avaliação. A partir de 2017, tal postura passou a zerar apenas a proposta de intervenção. Vejamos o que diz o manual do candidato:
A prova de redação do Enem sempre assinalou a necessidade de o participante respeitar os direitos humanos (DH), e essa determinação está na matriz de referência da redação do Enem. Conforme a matriz, as redações que apresentarem propostas de intervenção que desrespeitem os direitos humanos serão penalizadas na Competência 5. Pode-se dizer que determinadas ideias e ações serão sempre avaliadas como contrárias aos DH, tais como: defesa de tortura, mutilação, execução sumária e qualquer forma de “justiça com as próprias mãos”, isto é, sem a intervenção de instituições sociais devidamente autorizadas (o governo, as autoridades, as leis, por exemplo); incitação a qualquer tipo de violência motivada por questões de raça, etnia, gênero, credo, condição física, origem geográfica ou socioeconômica; explicitação de qualquer forma de discurso de ódio (voltado contra grupos sociais específicos).
ENEM CARTILHA DO PARTICIPANTE 2018
Curiosamente, o manual do candidato condena qualquer sugestão de agressão, assassinato, humilhação, ou seja, violência administrada pelo indivíduo, mas aceita a institucionalização da pena de morte pelo Estado como proposta válida (ainda que tal medida não seja legal no Brasil e vá contra a Declaração Universal dos Diretos Humanos do qual o país é signatário). A prisão perpétua também é muito utilizada e não fere os DH, segundo o Inep.
Vejamos alguns exemplos de trechos de redações do Enem 2017 que levaram à atribuição de nota 0 (zero) na Competência 5, por ferirem os direitos humanos ao se referirem aos surdos. Os trechos foram publicados no Manual do Candidato:
• “Este grupo tem que ir para escolas especiais, tirando assim o contato dele com a sociedade”.
• “Surdos devem ter apenas o ensino básico, devem ser aposentados, não podem ter direito de estudar em uma universidade, não são pessoas normais, não podem trabalhar”.
• “A melhor decisão a ser tomada é o sacrifício logo após a descoberta da ‘maldição’, evitando o sofrimento de todas as partes e mantendo a sociedade no rumo da evolução”.
Muito se tem discutido sobre o uso dos Direitos Humanos como quesito de validação da proposta de intervenção. Para edição de 2020, manteremos tal preocupação até que o Inep se posicione.
ADERÊNCIA AO TEMA
É necessário que a proposta de intervenção esteja relacionada ao tema da redação e não apenas ao assunto, de forma ampla e superficial. Muitos candidatos têm tentado decorar propostas genéricas – que resolvem praticamente qualquer problema –, porém a falta de aderência ao tema diminui a nota e a não abordagem do assunto pode até zerar a proposta do participante (reveja a tabela de pontuação no início deste módulo).
É obrigatório o uso de mais de uma proposta?
Não. Em edições anteriores, já foi exigido o emprego de mais de um agente social como critério ou o tema já exigiu “Caminhos para combater”, o que representou – naquele ano – a exigência de duas propostas. Em havendo mais de uma proposta de intervenção, a banca vai considerar a mais completa. Em havendo elementos válidos repetidos (2 agentes, 3 ações, 4 finalidades etc.), a banca só vai pontuar uma vez para cada elemento.
É obrigatório o emprego da proposta no último parágrafo?
Não. Mas é aconselhável. Apesar de a proposta poder ocupar outro parágrafo do texto ou poder estar diluída na redação, a maioria dos candidatos costuma sentir mais facilidade para organizá-la na conclusão. Além disso, você está participando de uma avaliação em massa e a proposta costuma ter ainda mais visibilidade no final.
Vejamos um exemplo de proposta de intervenção que aparece em mais de uma parte do texto. Perceba que a medida válida está diretamente relacionada com o tema apresentado pela banca e abordado no texto:
No convívio social brasileiro, parte considerável da população apresenta alguma deficiência. Nessa conjuntura, grande parcela dos surdos, em especial, não tem acesso a uma educação de qualidade, o que fomenta maior empenho do Poder Público e da sociedade civil, com o fito de superar os desafios para a efetiva inclusão desses indivíduos no sistema educacional.
Sob esse viés, muitos deficientes auditivos encontram dificuldades para acessar o Ensino Fundamental, Médio ou Superior, visto que diversas instituições de ensino carecem de uma infraestrutura adaptada a esses indivíduos, como intérpretes da Libras durante as aulas. Tal panorama representa a violação da Constituição Federal de 1988 e do Estado da Pessoa com Deficiência, os quais são mecanismos jurídicos que asseguram o acesso à educação como um direito de todos os deficientes. Isso atesta a ineficiência governamental em cumprir prerrogativas legais que garantem a efetiva inclusão dos surdos na educação.
Ademais, em muitas instituições de ensino, deficientes auditivos ainda são vítimas de xingamentos e até de agressões físicas por parte de outros alunos, ações que caracterizam o bullying. Nesse contexto, o filósofo iluminista Voltáire já afirmava: “Preconceito é opinião sem conhecimento”. Tal máxima, mesmo séculos depois, comprova que atos intolerantes são, em geral, consequências de uma formação moral deturpada, a qual não privilegiou princípios, por exemplo, a tolerância e o respeito às diferenças como essenciais para a convivência harmônica em uma sociedade tão heterogênea. Desse modo, verifica-se a ineficácia de famílias e escolas em desestimular, rigorosamente, qualquer ação de caráter discriminatório contra surdos.
Portanto, a fim de garantir que surdos tenham pleno acesso à formação educacional, cabe ao Estado, mediante o redirecionamento de verbas, realizar as adaptações necessárias em todas as escolas e as universidades públicas, como o oferecimento de cursos gratuitos que capacitem profissionais da educação para se comunicarem em Libras e a contratação de mais intérpretes da Libras para atuarem nessas instituições. Outrossim, famílias e escolas, por meio de, respectivamente, diálogos frequentes e palestras, devem debater acerca da aceitação às diferenças como fator essencial para o convívio coletivo, de modo a combater o bullying e a formar um paradigma comportamental de total respeito aos deficientes auditivos.
REDAÇÃO NO ENEM 2018 CARTILHA DO PARTICIPANTE
Além de a proposta estar bem articulada, as informações dispostas no texto apresentam relevância e organização na defesa do ponto de vista da autora, o que lhe conferiu nota 1000, na edição de 2018. Vejamos o comentário da banca sobre esta redação:
A participante demonstra excelente domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa, uma vez que a estrutura sintática é excelente e não se verificam desvios de qualquer natureza.
Em relação aos princípios da estruturação do texto dissertativo-argumentativo, percebe-se que a participante apresenta uma tese, o desenvolvimento de argumentos que comprovam essa tese e uma conclusão que encerra a discussão, ou seja, apresenta excelente domínio do texto dissertativo-argumentativo.
Além disso, o tema é abordado de forma completa: já no primeiro parágrafo, apresenta-se a problemática da falta de acesso dos surdos à educação de qualidade e aponta-se para a necessidade de ações por parte do poder público e da sociedade civil.
Para desenvolver as ideias selecionadas, a participante faz uso produtivo de repertório sociocultural pertinente ao tema ao apoiar-se no pensamento de Voltaire para validar o argumento de que a falta de valorização das diferenças e da tolerância é uma das causas da violência enfrentada pelos surdos em ambiente escolar.
Podemos perceber, ao longo da redação, a presença de um projeto de texto estratégico, que se configura na organização e no desenvolvimento da redação. A participante apresenta informações, fatos e opiniões relacionados ao tema proposto, de forma consistente e organizada, para defender seu ponto de vista de que se fazem necessárias ações do poder público e da sociedade para solucionar os problemas que afastam o surdo do ambiente escolar (falta de infraestrutura e violência).
Em relação à coesão, nota-se um repertório diversificado de recursos coesivos, sem inadequações. Há articulação tanto entre os parágrafos quanto entre as ideias dentro de um mesmo parágrafo (1º parágrafo: “nessa conjuntura”, “desses indivíduos”; 2º parágrafo: “sob esse viés”, “visto que”; 3º parágrafo: “ademais”, “tal máxima”; 4º parágrafo: “portanto”, “outrossim”).
Por fim, a participante elabora excelente proposta de intervenção: concreta, detalhada e que respeita os direitos humanos. Assim como apontado já na introdução do texto, as ações interventivas devem ser realizadas tanto pelo poder público – maior investimento nas escolas e na capacitação de professores – quanto pela sociedade – diálogos frequentes.