A Economia no Segundo Reinado
Aprenda sobre a Economia no Segundo Reinado.
A PRODUÇÃO CAFEEIRA
A economia brasileira durante o Segundo Reinado passou por um notável processo de expansão, após quase meio século de estagnação econômica, em vários campos: arrecadação do Estado, produção agrícola e indústria, aumento de renda, dentre outros. O fator que catalisou essa expansão foi o crescimento da produção cafeeira, tendo à frente durante os anos iniciais a dinâmica região do Vale do Paraíba (compreendendo municípios como Resende, Vassouras e Valença). A região era estrategicamente boa para o crescimento da cafeicultura no modelo plantation do Vale. Obtinha uma grande oferta de terras praticamente desocupadas, em virtude de antigas proibições de ocupação na região advindas da época da mineração; e possuía uma rota que a ligava com o porto do Rio de Janeiro, principal escoadouro de produtos para o exterior, outro fruto do período minerador. O café era levado até a capital num sistema que remetia aos tropeiros da mineração, em lombos de mulas. O principal mercado ao qual se destinava era o norte-americano e o europeu.
Socialmente falando, o Vale representava uma elite nacional coesa internamente, próxima ao Imperador e ligada ao Partido Conservador, denominada “Barões do Café”. O baronato possuía, portanto, estreitos vínculos com o poder, atestado pelos seus títulos de nobreza e status social, formando a verdadeira aristocracia nacional, assentando sua imagem na grande lavoura cafeicultora e na exploração do trabalho escravo.
A produção de café se espalharia por outras regiões, como na Zona da Mata mineira, municípios do norte fluminense, como Campos dos Goytacazes, e cidades paulistas como Taubaté e Jundiaí. Mas foi no Oeste Paulista que o café encontrou condições excepcionais para cultivo, garantidas pela alta fertilidade da chamada “terra roxa”.
A produção na região marcaria a força da chamada burguesia cafeeira do oeste paulista, grupo menos ligado ao Imperador e mais próximo da atuação do Partido Liberal. Os cafeicultores paulistas tiveram uma atuação marcadamente mais empresarial, fazendo investimentos produtivos que foram além dos métodos de expansão da produção do baronato do do Vale, que associavam expansão da produção somente a compra de escravos e terras.
Assim, no Oeste Paulista houve o desenvolvimento de linhas ferroviárias, investimentos na expansão da capacidade de escoamento do porto de Santos, bem como uma maior ligação ao setor bancário, dominado por ingleses, que se desenvolveu na região. Nas últimas décadas do século XIX, o Vale do Paraíba se tornou uma região decadente, contrastando com a ascendência dos municípios produtores do Oeste Paulista.
Entre a decadência do Vale e a ascensão da burguesia cafeeira de São Paulo, encontram-se as reformas promovidas pela Trindade Saquarema no ano de 1850. Foram três grandes mudanças que alteraram profundamente aspectos socioeconômicos do Brasil imperial: a Lei Eusébio de Queiróz, a Lei de Terras e o Código Comercial.
AS REFORMAS DE 1850
A Lei Eusébio de Queiróz insere-se no contexto das pressões inglesas pelo fim do tráfico de escravos, que remontam a um período anterior mesmo ao da Independência do Brasil. Já nos Tratados de 1810, D. João assumiu compromisso com o fim do tráfico internacional, sendo este renovado por inúmeras convenções até a criação definitiva da lei que acabava com o “infame comércio” em 1831. Entretanto, esta lei ficou conhecida popularmente como “lei para inglês ver”, dada a pequena efetividade que carregou, sendo observada a continuidade do tráfico ao longo das próximas duas décadas. Em 1845, a Inglaterra unilateralmente adotou uma medida pelo fim do tráfico, com a Lei Bill Aberdeen. Esta tornava o tráfico de escravos um ato de pirataria, sob a ótica das autoridades britânicas. Progressivamente, os ingleses passaram a constranger navios tumbeiros brasileiros e de outros países em mar aberto, o que causou um grande choque diplomático. Cedendo às pressões inglesas, o país adotou a Lei Eusébio de Queiróz, que proibiu o tráfico atlântico de escravos.
Poucas semanas após a promulgação da Lei Eusébio de Queiróz, foi ofi cializada a Lei de Terras, que mercantilizava o acesso às terras devolutas (sem proprietário) no Brasil, permitindo o acesso apenas mediante a compra. A Lei de Terras foi interpretada classicamente nas Ciências Sociais como um instrumento jurídico para reforçar o panorama latifundiário do Brasil, permitindo apenas que homens com capital pudessem se apropriar de terras. A lei vetou as camadas de pior condição social o status de proprietário de terras no país. No entanto, a lei também foi polêmica entre as camadas mais abastadas da sociedade, pois trazia consigo diversas exigências regulamentadoras, como a medição e demarcação de propriedades e a possibilidade de pagamento de multas. A dificuldade de aprovação do projeto foi tanta que a Lei de Terras tramitou no Congresso desde 1843, só sendo aprovada após supressão de dispositivo que previa um imposto fundiário. Na prática, a lei foi boicotada pelo baronato, o que é atestado pelas inúmeras afirmações da pouco numerosa burocracia provincial do Império, afirmando que as demarcações e informações sobre terras devolutas nunca eram feitas na prática. Para o historiador José Murilo de Carvalho, a Lei sofreu um “veto dos Barões”.
A lei ainda contava com dispositivo que previa a atração de imigrantes, especialmente europeus, para suprir a necessidade de trabalho na lavoura, especialmente notável após o fim do tráfico internacional. Não obstante tentativas iniciais com os coolies chineses, o governo focou na atração dos europeus, motivado por critérios racialistas, extremamente inspirado no darwinismo social em voga na Europa no século XIX. Este advogava a superioridade racial do caucasiano europeu e condenava a mestiçagem, apontada como fator que levaria progressivamente a diminuição das potencialidades de uma nação. Nesse sentido, a estratégia de “embranquecer” o país através do imigrante europeu foi notável, destacando-se como sistema de atração duas modalidades distintas: os núcleos coloniais e o colonato. Este consistia em uma empreitada em que era oferecido ao imigrante a passagem dele e de sua família até o Brasil pelo latifundiário e uma pequena propriedade da qual o imigrante poderia tirar sua subsistência. Em contrapartida, o estrangeiro assumia uma dívida com o proprietário, que difi cilmente era paga, criando uma relação de trabalho de características não capitalistas. O sistema foi pioneiramente testado pelo senador Vergueiro, numa fazenda no interior de São Paulo, em 1847. Posteriormente, o governo assumiu o ônus de subvencionar a imigração para o Brasil, aliviando os investimentos dos cafeicultores. Os núcleos coloniais, em contrapartida, consistiam em áreas (fronteiriças, em geral) que eram doadas pelo Estado aos imigrantes. Foram uma importante estratégia de ocupação na região Sul do país, pouco povoada e de importância estratégica dada sua proximidade com as repúblicas platinas. No entanto, a produção no Sul do país não floresceu. Em geral, os núcleos se tornaram centros produtivos de subsistência, usando técnicas de produção arcaicas.
Os sistemas de atração de imigrantes para o Brasil podem ser considerados pouco efetivos se comparados com os de outros países americanos. Nos Estados Unidos, por exemplo, o sistema de distribuição de terras inaugurado pelo Homestead Act (1862) previa a concessão de pequenas e médias propriedades a quem ocupasse o Oeste americano, gerando ótimas condições para a imigração e atraindo homens e mulheres de várias partes da Europa. Além disso, era constantemente denunciado no continente europeu o péssimo tratamento ao qual eram submetidos os imigrantes no Brasil, levando diversos reinos a proibir a imigração para cá, como o caso da Prússia em 1859. A maioria dos imigrantes que vieram até o Brasil foram oriundos de países como Portugal e Itália.
O Código Comercial completa a tríade de reformas do ano de 1850. Até hoje em vigor, foi levado à Câmara ainda em 1834, tendo sua votação arrastada por 16 anos. Foi fundamental num contexto de ampliação dos investimentos gerada pela diversificação de capital dos antigos traficantes negreiros em contexto de proibição do tráfico. O Código facilitou os investimentos estrangeiros no país, permitindo a regulamentação das chamadas sociedades anônimas. Mais de 100 empresas estrangeiras foram abertas na década de 1850, contra menos de 20 empresas abertas entre 1830 e 1850.
A ERA MAUÁ
A expansão dos investimentos industriais no país ficou conhecida na historiografia como a “Era Mauá”, em referência ao icônico Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá. Grande símbolo do empreendedor industrial no Império, Mauá e outros homens se favoreceram de um contexto específico que estimulou um “surto industrial” no país a partir dos anos de 1850. Além da aprovação do Código Comercial e da Lei Eusébio de Queiróz, favoreceu o contexto industrialista a aprovação da Tarifa Alves Branco, em 1844. Esta consistiu na única tarifa protecionista de longa duração do Império, aumentando os impostos de importação de 15% (para todas as nações, desde 1827) para alíquotas entre 30% e 60%. A tarifa foi criada para sanar as dificuldades fiscais do Estado imperial, com os cofres combalidos desde o final da década de 1820. Além disso, teve importante contribuição para sua aprovação a pressão exercida por políticos do Partido Conservador, mais ligados a uma proposta protecionista.
Na época houve grande crescimento dos setores bancários e de serviços urbanos, como linhas férreas, iluminação e bondes. O próprio Mauá destacou-se em empreendimentos nestas áreas, fundando o principal banco do período, o Banco Mauá, McGregor & Cia, cuja ação chegava até países como o Uruguai. Além desses setores, Mauá realizou investimentos na indústria naval.
O “surto industrial” sofreu um retrocesso na década de 1860. Com o “renascer liberal” de 1862, voltou à cena um discurso voltado para a liberalização do comércio exterior e contra o protecionismo. Nesse sentido, foi criada a Tarifa Silva Ferraz, em 1862, que, na prática, anulava a Tarifa Alves Branco. Assim, novamente a competição estrangeira se mostrou letal para as pretensões de crescimento industrial do país. No caso de Mauá e outros homens do setor bancário, a grande crise capitalista de 1873 levou à falência de diversas instituições, contribuindo para a perda de fôlego dos homens de negócio do Império que buscavam investimentos para além da lavoura cafeeira.
Na década de 1880, a frágil classe dos industriais do país resolveu promover uma ação coletiva, através da fundação da Associação Comercial. Esta serviu como instrumento de pressão sob o governo para a adoção de medidas protecionistas que favorecessem a indústria. É possível afirmar que, nesse sentido, a Associação obteve moderado sucesso, pois conseguiu algumas concessões protecionistas em fins do Império e início da República, possibilitando o aumento do número de fábricas no país. No entanto, não foi capaz de alterar o foco da política econômica do governo, ainda muito atrelada aos interesses da lavoura.
a figura acima representa a imagem do Barão de Mauá.