A Revolução Francesa – O Processo Revolucionário
A Revolução Francesa pode ser qualificada como um divisor de águas, pois marca, simbolicamente, a transição da Idade Moderna, caracterizada pelo Antigo Regime, para a Idade Contemporânea, período de profundas transformações culturais, econômicas, políticas e sociais no mundo ocidental.
CONTEXTO FRANCÊS PRÉ-REVOLUCIONÁRIO
O estudo da Revolução Francesa é primordial para compreendermos o novo impulso que a Europa e as Américas passam a sofrer no século XIX, seja através das revoluções liberais e nacionais ou pelos movimentos de independência ibero-americanos. A despeito de não ser a primeira revolução de caráter liberal e burguês, visto que os ingleses já tinham substituído o Absolutismo Monárquico pelo poder político parlamentar em 1688, a Revolução Francesa guarda uma peculiaridade bem especial: trata-se de um movimento universal, já que suas consequências varrem toda a Europa e outros lugares do globo.
O estrato social que se convencionou denominar de “burguesia” ou Terceiro Estado era composto por todos aqueles indivíduos que não eram nobres ou membros da alta hierarquia católica. O termo burguês, portanto, compreende uma gama vastíssima de homens e mulheres que podiam exercer as mais variadas atividades, sendo, por exemplo, camponeses, comerciantes, artesãos, baixo clero, profissionais liberais, entre outros. Entretanto, este diversificado grupo apresentava em comum o fato de não gozar dos privilégios aristocráticos.
A Revolução Francesa foi um movimento contra uma aristocracia habituada aos princípios de distinção social. A ação revolucionária francesa apresentava aspirações diversas, dentre as quais a igualdade civil, que seria, ao lado da proteção da propriedade privada, a principal tônica burguesa.
A figura a seguir representa a imagem de Rei Luís XVI:
A figura a seguir representa a imagem do Palácio de Versalhes, sede do governo e moradia da família real e corte francesa:
ANTECEDENTES
A Revolução Francesa foi um movimento precedido de um complexo quadro de crise institucional e financeira. Albert Soboul, um dos mais importantes autores sobre o tema, destacou que a crise agrícola da década de 1780, e seus desastrosos efeitos sobre a economia, tal como o desabastecimento, a fome e a inflação teriam contribuído para o processo revolucionário. Os camponeses, grupo mais numeroso na sociedade francesa, iniciaram revoltas denominadas de jacqueries, que ficariam conhecidas, posteriormente, como o “grande medo” da aristocracia. As ondas de saques camponeses provocariam uma onda de emigração aristocrática, que acabaria engrossando as hordas contrarrevolucionárias fora do país. Ademais, o envolvimento da França em guerras externas sem êxito ou de grande utilidade para sua realidade, tais como a Sucessão Espanhola (1701-1714), a Guerra dos Sete Anos (1756-1763) ou a Independência Americana (1775-1783), comprometeram o já combalido Erário Real. Um tratado de panos e vinhos, denominado Eden-Rayneval, também trouxe consequências danosas para a balança de pagamentos da França.
A influência ideológica liberal iluminista não pode ser descartada como um importante catalisador do processo revolucionário francês. O Iluminismo, entretanto, deve ser entendido dentro de certos limites, pois uma das características daquele movimento filosófico e intelectual era o discurso de uma elite crítica em um país agrícola de analfabetos. A disposição dos iluministas em reformar a sociedade do Antigo Regime era inegável. A pretensão de Diderot e D’Alambert de que seriam preceptores libertários de uma humanidade em volta de uma áurea de ignorância é indiscutível. Os Iluministas, entretanto, jamais foram “libertários socialistas” como eventualmente pode ser sugerido.
O modelo da sociedade francesa mudou radicalmente com a revolução. É possível afirmar, com segurança, que até 1789 a França se caracterizava por um tipo de sociedade estamental em que cada membro era identificado de acordo com o seu nascimento e títulos de nobreza. O Primeiro Estado rezava, o Segundo guerreava, enquanto o Terceiro sustentava os demais pelo seu trabalho e impostos. A aristocracia, este conjunto de indivíduos ociosos que supostamente administravam o Estado, sobrevivia de rendas oriundas da exploração do Terceiro Estado. A prática da paulette ou venalidades, isto é, a venda de cargos públicos, era uma forma comum de angariar recursos a curto prazo para um Estado com finanças comprometidas. As venalidades, entretanto, apenas adiavam o problema, pois os dignatários dos cargos eram sustentados pelo Estado e suas funções tornavam-se hereditárias.
A Revolução foi, portanto, uma revolta do Terceiro Estado contra uma aristocracia parasitária que conseguiu envolver o Estado francês em uma crise econômica e social sem precedentes.
Necker e a Assembleia dos Notáveis
O ministro Necker não foi o primeiro homem do Estado francês a perceber que a única maneira de contornar a crise financeira em que o país se encontrava seria suspendendo as vantagens fiscais hereditárias da nobreza, isto é, tributando-a. Obter uma resposta favorável a esta reforma era um desafio intransponível. Necker, em 1787, convocou a Assembleia dos Notáveis para expor suas propostas neste sentido. A Assembleia, composta pelos aristocratas que o ministro queria tributar, reagiu imediatamente, negando-se a perder suas históricas prerrogativas em um episódio denominado pela historiografia como “revolução aristocrática”. O aumento da tributação para o Terceiro Estado era uma resposta mais saudável para os receptores aristocráticos.
O REI LUÍS XVI CONVOCA OS ESTADOS GERAIS
Com o impasse das manifestações populares em favor de medidas para contornar a crise de abastecimento e financeira que tomava conta do país, o rei Luís XVI apelou para um expediente excepcional para uma Monarquia Absolutista: convocar os Estados Gerais. Este órgão era composto por deputados de todo o país, escolhidos de acordo com a sua condição social: deputados clérigos, nobres e burgueses. A escolha, entretanto, ocorria mediante voto censitário, ou seja, nenhum camponês ou homem pobre livre tornou-se deputado ou tinha direito de votar. Os deputados do Terceiro Estado eram, na maioria das vezes, comerciantes ou profissionais liberais, como advogados.
A figura a seguir representa a imagem da Assembleia dos Estados Gerais:
Os deputados dos Estados Gerais tinham como função principal auxiliar o rei Luís XVI na solução da crise que se encontrava o país. A convocação dos Estados Gerais ocorria apenas em ocasiões excepcionais de emergência, como uma grande guerra que comprometesse a existência do próprio Estado. Ela não ocorria há mais de 150 anos, o que revela a fragilidade do absolutismo de Luís XVI.
Os deputados reunidos, entretanto, antes mesmo das propostas iniciais, deliberaram sobre o sistema de votação, que comprometeria a própria existência dos Estados Gerais. Os deputados da aristocracia defendiam um modelo de votação tradicional, no qual cada Estado tem um voto, além de proporem abertamente o aumento de tributos para o Terceiro Estado como forma de solucionar a crise nacional. O Terceiro Estado, por outro lado, defendia o aumento de sua representação, o voto per capita e o fim dos privilégios da aristocracia. Como não ocorreu um acordo entre as partes, o Terceiro Estado se retirou da reunião dos Estados Gerais e se proclamou em Assembleia Nacional Constituinte. A Revolução Francesa efetivamente começara.