GÊNERO TEXTUAL JORNALÍSTICO
Há muita confusão no que se refere à diferenciação entre “tipos textuais” e “gêneros textuais”. Pode-se dizer que narração, descrição e dissertação são tipos porque são modos de uma organização de texto. Os gêneros constituem-se na escrita que atende a uma dessas estruturas predominantemente.
Segundo o teórico Luiz Antônio Marcushi, os gêneros são os textos materializados encontrados em nosso cotidiano.
Esses apresentam características sociocomunicativas definidas por seu estilo, função, composição, conteúdo e canal.
(MARCUSHI, Luiz Antônio; XAVIER, Antônio Carlos [orgs.]. Hipertexto e gêneros digitais. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004)
Os gêneros textuais ordenam e viabilizam as atividades de comunicação do dia a dia. Situam-se e se integram funcionalmente nas culturas, caracterizando-se por suas atividades institucionais, além de suas particularidades linguísticas e estruturais.
O TEXTO JORNALÍSTICO
O jornal é um veículo diário de comunicação e serve como espaço para noticiar, reproduzir entrevistas, reportar, veicular opiniões e publicidades.
NOTÍCIA
A notícia expressa um fato novo, interessante para o público. Embora predomine a narração, o jornal não se limita ao ocorrido, procura informar o modo, o porquê, o local, o agente de determinado fato. A notícia não deve expressar opiniões, por isso sua linguagem é impessoal, normalmente fazendo uso da 3ª pessoa, de frases curtas com predomínio da função referencial da linguagem.
De forma geral, a notícia apresenta a seguinte estrutura:
• Título / Manchete: deve ser claro e objetivo. Trata-se da síntese da informação contida no texto. Deve ser criativo e sedutor, chamando a atenção do leitor;
• Lide (LEAD): fornece as principais informações respondendo às perguntas O QUÊ, QUEM, QUANDO, ONDE, COMO e PORQUÊ;
• Corpo: traz os detalhes do que foi antecipado pelo lide. As informações respeitam uma ordem cronológica ou de importância.
A linguagem deve ser formal, porém simples e direta, esclarecendo todas as informações necessárias. Veja o exemplo:
Palmares amanhece alagada após dois dias de chuva.
Precipitação atinge cidade pernambucana desde sábado.
Defesa Civil Municipal fez alerta de nova cheia do Rio Una neste domingo.
Os moradores de Palmares (PE) acordaram com cerca de um metro de água acima do chão na manhã desta segunda-feira (28). A chuva não deu trégua desde a tarde deste sábado (26). O alagamento na parte baixa da cidade é provocado por causa do solo já encharcado pela inundação da semana passada, quando a água chegou a mais de seis metros de altura.
Na tarde deste domingo (27), um sistema improvisa- do de comunicação da Defesa Civil do município passou a circular pelas ruas da cidade. O carro de som pedia para as pessoas deixarem suas casas. Era um alerta para a possível cheia do leito do Rio Una, que acabou se confirmando durante a madrugada desta segunda-feira.
O novo alagamento em Palmares deixou parte dos moradores desanimados. Muitos tinham aproveitado os dias de estiagem para tentar recuperar móveis e eletrodomésticos que foram levados pela enxurrada. Alguns também lavaram suas casas, mas o trabalho terá de ser refeito, principalmente no Bairro Modelo, na parte baixa do município, onde a água e a quantidade de lama voltam a preocupar.
(http://g1.globo.com/brasil/noticia/2010/06/palmares-amanhece-alagada-apos-dois-dias-de-chuva.html)
A REPORTAGEM
A reportagem pode ser considerada a própria essência de um jornal. Embora apresente estrutura semelhante à notícia, com apresentação de um “lide” – dela se difere por ampliar o fato principal, acrescentando opiniões e diferentes versões, preferencialmente comprovadas.
A reportagem costuma relacionar um fato central, enunciado no “lide”, a fatos paralelos, por meio de citações, trechos de entrevistas, boxes informativos, dados estatísticos, fotografias etc.
Por vezes, é possível encontrar na reportagem caráter opinativo, questionando causas e consequências, interpretando e orientando os leitores.
Quanto à linguagem, é impessoal, objetiva, direta, com predomínio da função referencial e do padrão culto da língua.
Vamos a um exemplo:
A Terra em alerta
O planeta esquenta e a catástrofe é iminente. Mas existe solução.
Ondas de calor inéditas. Furacões avassaladores. Secas intermináveis onde antes havia água em abundância. Enchentes devastadoras. Extinção de milhares de espécies de animais e plantas. Incêndios florestais. Derretimento dos polos. E toda a sorte de desastres naturais que fogem ao controle humano.
Há décadas, pesquisadores alertavam que o planeta sentiria no futuro o impacto do descuido do homem com o ambiente. Na virada do milênio, os avisos já não eram mais necessários – as catástrofes causadas pelo aquecimento global se tornaram realidades presentes em todos os continentes do mundo. Os desafios passaram a ser dois: se adaptar à iminência de novos e mais dramáticos desastres naturais; e buscar soluções para amenizar o impacto do fenômeno.
Em tempos de aquecimento planetário, uma nova entidade internacional tomou as páginas de jornais e revistas de toda a Terra – o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), criado pela ONU para buscar consenso internacional sobre o assunto. Seus aguardados relatórios ganharam destaque por trazer as principais causas do problema, e apontar para possíveis caminhos que podem reverter alguns pontos do quadro.
Em 2007, o painel escreveu e divulgou três textos. No primeiro, de fevereiro, o IPCC responsabilizou a atividade humana pelo aquecimento global – algo que sempre se soube, mas nunca tinha sido confirmado por uma organização deste porte. Advertiu também que, mantido o crescimento atual dos níveis de poluição da atmosfera, a temperatura média do planeta subirá 4 graus até o fim do século. O relatório seguinte, apresentado em abril, tratou do potencial catastrófico do fenômeno e concluiu que ele poderá provocar extinções em massa, elevação dos oceanos e devastação em áreas costeiras.
A surpresa veio no terceiro documento da ONU, divulgado em maio. Em linhas gerais, ele diz o seguinte: se o homem causou o problema, pode também resolvê-lo. E por um preço relativamente modesto – pouco mais de 0,12% do produto interno bruto mundial por ano até 2030. Embora contestado por ambientalistas e ONGs verdes, o número merece atenção.
O 0,12% do PIB mundial seria gasto tanto pelos governos, para financiar o desenvolvimento de tecnologias limpas, como pelos consumidores, que precisariam mudar alguns de seus hábitos. O objetivo final? Reduzir as emissões de gases do efeito estufa, que impede a dissipação do calor e esquenta a atmosfera.
(http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/aquecimento_global/contexto_int.html)
O ARTIGO DE OPINIÃO
O artigo de opinião é um gênero textual predominantemente argumentativo, que tem por objetivo expressar o ponto de vista do autor acerca de questões relevantes em termos sociais, políticos, culturais etc. Assim, ele é a base para vários tipos de texto dentro de um jornal, como colunas assinadas e, extrapolando um pouco, o próprio editorial – que, em lugar de expressar a opinião de um autor, representa o posicionamento “oficial” do jornal ou revista.
O caráter argumentativo vem dos comentários, avaliações, expectativas sobre um tema da atualidade que, por sua relevância, no plano nacional ou internacional, pode ser considerado objeto de análise. Portanto, nesse gênero, cabem reflexões mais detalhadas sobre o tema tratado.
O artigo tem como marca principal o fato de se dirigir a um dado público leitor, visto ser um gênero típico do domínio jornalístico. Assim, é fundamental que se perceba a natureza do veículo que se apresenta. Um artigo situado em uma seção para jovens poderá empregar uma linguagem mais coloquial, próxima da realidade do público a que se destina, por exemplo.
Ainda tendo como foco esse público leitor, é fundamental em um artigo o emprego de marcas de interlocução, afinal, ainda que não se dirija a um leitor específico, endereça-se a mensagem do texto a alguém, diferente de uma dissertação, em que não há um interlocutor. Dessa forma, a presença de marcas, como vocativo, imperativo e outras serão imprescindíveis nesse tipo de gênero argumentativo.
Outro traço importante do artigo são as possibilidades de estratégias discursivas que se apresentam. Por ser um gênero em que a reflexão deve ser mais aprofundada, há uma abertura para que a língua e seus instrumentais sejam explorados. Metáforas, ironias, enumeração de fontes de informação, acusações a oponentes, apelo à sensibilidade do leitor, incursões poéticas são, ao lado da óbvia pertinência dos argumentos, a base para a efetividade do texto.
Como o artigo, ao contrário de um editorial, não reflete a opinião de uma instituição, mas de um indivíduo, a presença do “eu” é relevante nesse gênero, uma vez que a subjetividade é intrínseca aqui. Para exemplificar, vamos ler um artigo publicado na Folha de São Paulo:
Ciência, ética e escolhas
Marcelo Gleiser
Folha de S. Paulo, 02/05/2010
Na semana passada, tive o prazer de ciceronear a escritora e filósofa Rebecca Newberger Goldstein, que veio à Dartmouth dar uma palestra sobre seu último livro, o romance “36 Argumentos para a Existência de Deus, Uma Obra de Ficção”.
Goldstein é famosa pela sua habilidade de tratar de assuntos cabeludos de filosofia e ciência dentro da narrativa ficcional de um romance.
O livro é excepcional em vários níveis. Seu estilo é brilhante e extremamente engraçado, uma descrição contagiante e sincera do mundo acadêmico, da busca pela glória, da inevitável inveja profissional, da competição entre as escolas e da vaidade intelectual que tanto colore as discussões em tópicos que vão desde a mitologia grega à existência do Multiverso (ou seja, de infinitos universos).
Como o título informa, o livro trata também da questão da existência de Deus. Mas, para nós aqui nesta coluna, ao menos no contexto do tema de hoje, que é a ética, o livro é principalmente sobre escolhas.
Somos produto das escolhas que fazemos ao longo da vida. É bem verdade que, às vezes, as escolhas são feitas à nossa revelia. Por exemplo, quando falha a saúde, ou devido a pressões econômicas.
Por falta de emprego, um pacifista com um doutorado em física pode se ver forçado a trabalhar na indústria armamentista. Por outro lado, pode fazê-lo por opção, por ser um patriota.
Como Goldstein sugeriu, temos um cerne pessoal (estou criando esse termo) que funciona de forma bem específica.
Podemos até deduzir as posições que um conservador ou um liberal tomarão numa variedade de questões, desde a liberação da maconha até a regulação das práticas do mercado de capitais. A correlação das escolhas é bem forte, produto desse cerne pessoal, que “guia” nossas decisões.
Será que a ética é parte desse cerne pessoal? Especulo que sim. Algumas pessoas têm padrões éticos mais elevados do que outras. Não há dúvida de que esses padrões podem ser influenciados por eventos na vida, pela educação, por relações etc. Mas alguns casos são mais flexíveis do que outros.
E os cientistas? São menos dados a cometer fraudes do que outros profissionais? Na nossa profissão, devemos obedecer a uma regra ética básica: “Nunca minta”.
De fato, mentir em ciência é uma péssima ideia. Mais cedo ou mais tarde, a comunidade exporá a sua fraude e sua carreira estará arruinada. É bem simples, na verdade: a natureza não tolera trapaças.
Quem lembra, por exemplo, da história da fusão a frio? (Veja pt.wikipedia.org/wiki/Fusao-a-frio) Inocentemente, gostaria de acreditar que essa regra do não mentir deveria valer para todas as profissões.
No entanto, é o contexto que determina a aplicação de princípios éticos. Mesmo que você se considere um indivíduo extremamente ético, pode sofrer terríveis pressões para contrariar suas próprias regras.
É fácil pensar em exemplos, desde os mais dramáticos (os alemães que “tinham” de se juntar aos nazistas) aos mais amenos (o estudante que cola na prova do vestibular). A moralidade de uma pessoa pode ser medida pela resistência que oferece a essas pressões, permanecendo fiel aos seus princípios éticos. Trapacear é construir a sua própria prisão.
Se ser livre é poder escolher ao que se prender, gostaria de acreditar que, quanto mais seguimos princípios morais elevados, mais livres somos.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica no Dartmouth College, emHanover (EUA) e autor do livro “Criação Imperfeita”.
Vejamos agora um exemplo de editorial:
Nação apática
Observação, no mínimo instigante, tem sido revelada por deputados já engajados na garimpagem dos votos de outubro. Nas andanças que praticam pelo interior, o que têm visto não é, propriamente, antes de tudo, ser a favor ou contra o governo. Como também menosprezam-se conceitos de esquerda e direita. O que se percebe, de acordo com os que testemunham, é certa tendência a encarar a próxima eleição com espírito de profunda apatia; gente que chega à triste conclusão de que nada vale a pena; que os políticos se igualam no mesmo baixo nível de escassez de competência ou fartura de imoralidade. Portanto, tanto faz, como tanto se fará, votando-se em qualquer um.
A se confirmar semelhante situação, as coisas andarão piores, muito além da imaginação dos pessimistas. O cidadão apático é capaz de conduzir malefícios superiores àquele que se vai praticar com um voto inconsciente. Outra conclusão lamentável é que esse quadro de desânimo significa que o brasileiro manda, para o mesmo cadafalso, sem distinção e injustamente, os bons e os maus; e nisso acaba enforcando a própria política, a instituição sagrada, vítima dos que dela se aproveitam para praticar crimes. Nivelar bons e maus políticos, como se nada os diferenciasse, é péssimo; a começar pelo fato de os bons se envergonharem da comparação e se ausentarem. Recolhem-se, sob os aplausos dos maus, que calçam a cara e vão em frente; na verdade, os indesejáveis acabam contemplados e favorecidos, pois já não têm gente séria a enfrentar.
Isso posto, há que se considerar que, à frente dos desafios que nos reserva a campanha eleitoral, segue, como bandeira descorada e sinistra, essa apatia endêmica. Haverá tempo para abatê-la, impedindo que influencie e comprometa a eleição? Teriam os candidatos fôlego e disposição para sacudir o que resta de ânimo na alma da sociedade brasileira? Está longe de ser fácil a tarefa a enfrentar, se, no descortinar dos fatos de agora, o que se vê são tropeços, crises dentro e fora do governo.
O estado de desânimo, a bem da verdade, não é de hoje; vem prosperando há algum tempo, principalmente quando ganharam publicidade os ensaios de analistas que se debruçavam sobre consultas à opinião pública, que pretenderam aferir o grau de confiabilidade das instituições. Ocorreu há menos de duas décadas: observou-se que a quebra de credibilidade, consequentemente, da admiração e do respeito, acabaria por conduzir, em futuro não muito distante, a um quadro coletivo de esmaecimento e indiferença em relação a elas e aos que as dirigem. Não seria mera coincidência se comparadas antigas previsões com a realidade que se projeta sobre nossos dias.
Naquele passado a que se referem essas linhas, o respeito e a admiração populares contemplavam, entre os primeiros, a Igreja, o Exército e a Justiça. Corroeram-se, em parte, os números simpáticos à religião, que paga pelas indefinições e pelos pecados de uma minoria praticante de abusos sexuais, além da hipertrofia que sofreu, resultando na migração que levou milhões a seitas exóticas. Dos ombros dos militares ainda não foi possível remover o ônus do fatídico 64.
A Justiça consta como o mais recente prestígio a capitular, por conviver com o elitismo que tolera os poderosos, eterniza recursos protelatórios e festeja caríssimos causídicos, absolutamente inacessíveis aos não milionários. Nos tribunais nem falta o cenário de pugilatos verbais, quando esquentam as divergências.
Pergunta-se, então, ao fim e ao cabo, o que dizer ao eleitor para automedicar-se contra o mal-estar da apatia. Outro remédio inexiste, a não ser aplicar, quando chegar a hora, o voto rigorosamente consciente. Pode ser até que depois sobrevenha a decepção, mas, antes, convém saber que, se o Estado está enfermo, quem pode curá-lo é a nação. Ninguém mais.
Jornal do Brasil, 28/05/2018