Movimentos pós-modernistas: prosa e teatro
O regime civil-militar de 1964 trouxe um cenário de censura e perseguições à sociedade brasileira.
MOMENTO HISTÓRICO
Combinada a um desenvolvimento industrial em larga escala, caracterizado por grandes obras que levaram à urbanização dos grandes centros. Somado a isso, o forte êxodo rural lotou as cidades e a desigualdade cresceu vertiginosamente, agravada pelos problemas econômicos de endividamento e crescimento da inflação, levando a uma grande insatisfação social.
O fechamento do regime e seu endurecimento contra os opositores levava constantemente a crises e contradições. Por um lado, o governo querendo afirmar que tudo ia bem, por outro, uma forte resistência e inúmeras denúncias contra as forças militares minavam aos poucos o regime.
Já no início da década de oitenta, grandes manifestações foram realizadas – entre as quais destaca-se o movimento pelas Diretas Já! – e a ditadura foi perdendo sua força até a reabertura democrática. O período foi de forte turbulência econômica, com graves problemas inflacionários e aumento significativo da pobreza. Em 1988, a promulgação da Nova Constituição dá esperança ao país que elege seu primeiro presidente depois de quase três décadas sem ir às urnas.
O período democrático inicia-se com a sequência de manifestações, como os cara-pintadas, e a implantação da estabilidade econômica com o Plano Real. O Brasil se moderniza e chega ao século XXI com uma democracia razoavelmente estabelecida, na qual o crescimento econômico surge aliado à distribuição de renda.
Temos, então, uma sociedade “midiática”, na qual praticamente todos os lares possuem uma televisão, onde a internet e as redes sociais dominam o comportamento de milhões de brasileiros e a efemeridade de estéticas passa a ser a regra. A cultura divide-se em tribos das mais diversas expressões e a arte uma forma para expressar a individualidade e as necessidades de cada conjunto que se afirma no país. As minorias se afirmam, com mulheres se empoderando e lutando contra o machismo, os negros denunciando o racismo presente na sociedade e movimentos de homossexuais e transexuais reivindicam a igualdade, repudiando quaisquer preconceitos. Uma sociedade plural, repleta de contradições é o cenário para as mais diferentes manifestações artísticas e políticas.
CAMINHOS DA PROSA
Chamamos de movimentos pós-modernistas não necessariamente aquelas obras de conteúdo estético comprometido com alguma modificação dos paradigmas da arte, mas sim o período que se inicia em 1964 e vem, com significativas mudanças, até os dias de hoje.
A prosa nacional, desde os anos setenta, conta com a predominância do conto e da crônica, textos ágeis, muitas vezes com publicações em periódicos diários ou semanais. A vida cotidiana passa a estar no foco dos autores e busca uma aproximação com seus leitores. Há também diversos romances que caminham em direções bastante diferentes, refletindo a pluralidade encontrada no seio social.
Conto e Crônica
Os textos curtos, de linguagem simples e histórias imediatas, buscam a impressão fotográfica da realidade, ainda que muitostenham o caráter de denúncia social. No geral, são textos críticos, repletos de ironias, que buscam uma reflexão humana e filosófica mais ligada à concretude e ao cotidiano, por muitas das vezes discutindo o papel dos indivíduos na sociedade, o comportamento e as relações, além daquelas instituições culturais formais, como a família e o casamento.
Alguns autores destacam-se na produção desses textos, como Lygia Fagundes Telles, Autran Dourado, Moacyr Scliar, Otto Lara Resende, Dalton Trevisan, Marina Colasanti, Ignácio de Loyola Brandão, Nélida Piñon, Luís Fernando Verissimo, Millôr Fernandes, Carlos Heitor Cony, Mario Prata, entre outros.
Romance documentário
Este tipo de romance é geralmente classificado como urbanosocial, especialmente voltado a retratar problemas da classe média e pequeno-burguesia. É comum que a temática da exploração e da luta de classes surja com força, retratando lugares mais pobres e desiguais, como as favelas cariocas. Em certa medida, pode-se dizer que há uma revisita ao realismo e naturalismo ou mesmo de que se tratem de verdadeiras reportagens ficcionalizadas, como é o caso da obra Cidade de Deus de Paulo Lins.
Romance regionalista
Uma das maiores tradições da literatura nacional é o romance regionalista, com claro foco no homem do campo; evidentemente a prosa contemporânea não fugiu deste modelo, contando os problemas individuais, sociais e econômicos da gente do interior, somados às questões geográficas e desenvolvimentistas. Lendas, folclore, crenças e cultura regionais também surgem com frequência, revelando um mundo mágico, leve e divertido do regionalismo.
Mario Palmério destaca-se com Chapadão do Bugre e Vila dos Confins, além de José Cândido de Carvalho e seu O coronel e o lobisomem e, evidentemente, Antonio Callado e o clássico Quarup. Praticamente todas as obras ganharam adaptações para o cinema.
Romance intimista
Os romances de cunho intimista surgiram na literatura nacional a partir da década de 40 e tornaram-se um modelo de enorme aceitação, sendo um estilo contínuo na produção brasileira. A indagação interior, a introspecção psicológica, com a busca pela análise da alma humana e da consciência do indivíduo continuam caracterizando esse tipo de romance. O destino e a vida das pessoas e as relações com o mundo trazem a problemática religiosa, moral, ética que envolve os indivíduos no seu cotidiano. Esse tipo de romance tem caráter normalmente urbano e reflete, em certa medida, uma crítica à sociedade atual.
Destacam-se nessa linha autoras como Lygia Fagundes Telles e a obra Ciranda de Pedra, além de Lya Luft com seu Reunião de família e outros nomes como o genial Fernando Sabino, autor de Encontro marcado e outras tantas obras.
Romance social
Os romances sociais caracterizam-se pelo tom de denúncia social e pela exploração dos aspectos constitutivos da sociedade, revelando as relações entre culturas com apurada visão crítica, muitas vezes utilizando-se da ironia para o tratamento das questões. É comum o uso de imagens fortes e de uma linguagem ácida na construção das histórias e personagens.
Destacam-se no grupo João Ubaldo Ribeiro, autor de O sorriso do lagarto, Viva o povo brasileiro e A casa dos budas ditosos; Ignacio de Loyola Brandão, Não verás país nenhum e o impactante Zero; além de Raduan Nassar, que escreveu Lavoura arcaica e Um copo de cólera.
Romance histórico
O romance histórico é identificado pela clara mistura entre ficção e realidade, muitas vezes com inspiração biográfica, baseando-se em relatos e memórias para desenvolver tramas ficcionais que correm em paralelo com acontecimentos reais.
Entre os diversos autores do estilo, podem-se destacar Ruy Castro – Era no tempo do rei –, Nélida Piñon – República dos sonhos –, Rubem Fonseca – Agosto –, Fernando Morais – Olga – e Marcelo Rubens Paiva – Feliz ano velho.
Romance policial
Os romances policiais são verdadeiras máquinas de produzir best sellers. Histórias sobre crimes e suas investigações, com suspense e surpresas são a marca do maior escritor brasileiro do gênero, Rubem Fonseca, que escreveu os notáveis A grande arte, O caso Morel, Bufo & Spallanzani, Feliz ano novo, entre outros.
Romance fantástico
Também conhecido como realismo mágico, é uma das vertentes mais profícuas da literatura mundial, contando com nomes consagrados no cenário das artes da palavra. Apesar de gozar da preferência de autores latino americanos e portugueses, o gênero não parece tão ao gosto dos leitores brasileiros, apesar de o país contar com autores do quilate de Murilo Rubião, autor de O ex-mágico e O pirotécnico Zacarias; e José J. Veiga, autor de Os Cavalinhos de Platiplanto e O Risonho Cavalo do Príncipe.
O TEATRO NO BRASIL
O teatro brasileiro surge com os jesuítas no século XVI, com a finalidade de ajudar na catequese dos índios. A encenação de autos como instrumento da educação religiosa era o padrão daquele incipiente teatro. O século XVII marca um declínio das atividades teatrais no Brasil, limitando-se a raras encenações, normalmente por conta de festas e datas comemorativas.
Somente na segunda metade do século XIII o teatro passa a incorporar-se à vida da população, com o surgimento das primeiras companhias teatrais. A fixação dos locais de “teatro” contribui na continuidade da atividade; contudo, os atores não eram bem vistos pela sociedade, era um trabalho relegado às pessoas das classes mais baixas, em sua maioria mulatos. As mulheres eram proibidas de participar das encenações, deixando os papéis femininos na representação dos próprios homens, os chamados “travestis”. As montagens eram basicamente peças estrangeiras como Molière e Voltaire entre outros.
Junto da família real veio a necessidade de melhores teatros; assim, as companhias teatrais multiplicaram-se e os novos teatros passaram a encher com o público local. O Romantismo contribuiu com essa ascensão teatral, produzindo algumas obras nacionais e popularizando o teatro. Contudo, a maior parte das apresentações era de origem europeia ou espetáculos musicais.
O século XX marca o surgimento de companhias estáveis, apesar da censura imposta pela ditadura Vargas. Nomes como Procópio Ferreira, Jaime Costa, Odilon Azevedo e Eva Tudor despontam no cenário da dramaturgia. Entretanto, o teatro ainda seria marcado pelo popular “teatro de revista”, com suas vedetes e fantasias sobre temas musicais.
Oswald de Andrade produziria a peça Rei da Vela enfrentando a censura de Vargas, mas a peça, escrita em 1933, só foi levada aos palcos em 1967. O teatro começava a desabrochar finalmente em suas raízes nacionais. As primeiras companhias experimentais de teatro vão surgindo e, com elas, o modelo estrangeiro da modernidade teatral.
O marco do teatro nacional surge com Nelson Rodrigues: antes dele, peças estrangeiras, baseadas em modelos estrangeiros ou chanchadas populares tinham lugar nos palcos do Brasil. Considerado por muitos como o “anjo pornográfico”, foi o grande renovador das artes cênicas nacionais, introduzindo seu estilo marcante e histórias fortes, repletas de incestos, suicídios e adultérios. Além dos palcos, muitas de suas obras ganharam as telas dos cinemas como A mulher sem pecado, Os sete gatinhos, Bonitinha, mas ordinária, A dama do lotação e Beijo no asfalto.
O ano de 1948 marca o surgimento da Companhia Teatro Brasileiro de Comédia – TBC –, que importou diretores e técnicos italianos, formando um conjunto de alto nível e de repertório sofisticado: um teatro da burguesia para a burguesia.
A renovação modernista tardia acontece no pós-segunda guerra, especialmente com a chegada do genial diretor polonês Zbigniew Marian Ziembiński, considerado um dos fundadores do teatro brasileiro moderno, em especial pela montagem que realizou da peça Vestido de Noiva de Nelson Rodrigues.
Em 1953 foi criado o Teatro de Arena, como forma de garantir maior liberdade para textos teatrais, cujo mérito maior foi a eliminação do preconceito que existia contra o dramaturgo brasileiro, ao encenar peças nacionais. Seu caráter contestador inspirou outros grupos nas décadas posteriores, como o Grupo Oficina e o Grupo Opinião.
Já nos idos da ditadura militar, o teatro engessou-se, devido à forte censura a que estava submetido, além das perseguições a inúmeros dramaturgos, atores e diretores, levando-os ao exílio. O teatro contestador praticamente desapareceu, voltando gradativamente a partir de 1976 e novas estéticas surgiram, como aquelas provenientes das ideias de Augusto Boal, como o teatro do oprimido.
Dramaturgos como Gianfrancesco Guarnieri (Eles não usam black tie) e Dias Gomes (O pagador de promessas, O Santo Inquérito, O bem amado, O berço do herói) voltam-se às temáticas de denúncia social, muitas vezes com tons de humor e utilizando o regionalismo como forma de “redescobrir” o Brasil. Muitas dessas obras acabaram adaptadas para o cinema ou para a televisão e algumas acabaram censuradas, só vindo a serem produzidas ou filmadas em meados dos anos oitenta, como foi o caso de O berço do herói, adaptado como a novela Roque Santeiro, exibida em rede nacional.
Com um enfoque absolutamente voltado ao regionalismo nordestino e à exaltação de sua cultura e tradições, Ariano Suassuna destaca-se por criar o Movimento Armorial, uma espécie de exaltação e elevação à arte erudita da cultura popular do Nordeste. Com bom humor, mas sem afastar-se das questões sociais e culturais marcantes da região, foi autor de obras geniais como O auto da compadecida; O santo e a porca; O Romance d’A Pedra do Reino e O Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta.