O RENASCIMENTO CULTURAL – A arte como símbolo de um novo tempo
Aprenda como a Arte pode ser um símbolo de um Novo Tempo.
HUMANISMO
O Humanismo Cristão foi um movimento intelectual surgido dentro da própria Igreja Católica Romana. Como definiu Ganshof em sua magna ópera intitulada O que é feudalismo?, a Idade Média caracterizava-se pela fragmentação do poder público. A ausência dos Estados Nacionais, portanto, fazia com que não existisse uma instituição laica que pudesse patrocinar de modo conveniente a formação de um corpo de estudiosos. Coube desta forma à Igreja Católica a missão de criar uma elite de pensadores que interpretasse as Escrituras, formulassem o direito canônico e estabelecessem as demais regras de condutas em sociedade. O Humanismo é, portanto, herança direta da Idade Média e da Igreja Católica. O latim, idioma oficial do papado, era a língua universal dos eruditos europeus, como por exemplo, os padres humanistas Erasmo de Roterdã e Thomas Morus, autores, respectivamente, de Elogio da Loucura e A Utopia.
O maior mérito dos humanistas consistiu em estabelecer as condições que levariam ao movimento Renascentista Artístico e Cultural e ao cisma protestante luterano. Os autores considerados clássicos da Antiguidade, apresentavam uma concepção antropocentrista de mundo, isto é, a valorização do homem e do conhecimento empírico e científico como formas de entender a natureza e a sociedade. A busca destes valores em detrimento dos excessos de religiosidade católica, característico do medievo europeu, seria o ponto de sustentação intelectual do Renascimento – movimento artístico e cultural que poderia ser, como o Humanismo, colocado em prática.
A aparente contradição do Humanismo ser um movimento surgido no seio da Igreja Católica e, ao mesmo tempo, defender uma visão mais humana e racional do mundo, é meramente aparente. Os padres humanistas acreditavam em Deus e na Igreja, entretanto, apresentavam uma curiosidade intelectual que ultrapassava os limites da escolástica. Ademais, estes membros da Igreja começaram a questionar certas práticas do alto clero católico que não se coadunavam com as pregações das Escrituras. O Nome da Rosa, clássico do cinema histórico baseado na obra de Umberto Eco, ilustra como o Teocentrismo e o Humanismo conviveram na passagem do medievo para a modernidade.
O MOVIMENTO RENASCENTISTA
Não existe uma data específica para determinarmos o início e o fim do período renascentista. Os historiadores de um modo geral, admitem, contudo, os anos de 1330 a 1530, como um corte cronológico possível. Embora seja um período excessivamente longo, estes anos guardam as características renascentistas primordiais de uma estética de valorização do indivíduo, do homem e da razão, que se opõem ao período medieval coletivista e teocêntrico denominado de modo depreciativo de “Idade das Trevas”. Foi só no século XIX, todavia, que autores como Jules Michelet e Jacob Buckhardt começaram a qualificar aquele período com o emprego do vocabulário “renascimento”.
O movimento renascentista não apresentou um aspecto homogêneo no continente europeu, isto é, determinadas regiões tiveram um Renascimento mais vigoroso, enquanto outras nem ao menos conseguiram viver de fato este movimento desvinculado de forte impressão religiosa desvinculado de forte impressão religiosa.
Houve ainda casos em que “os renascimentos” não foram coincidentes, isto é, enquanto na Península Itálica os ideais e práticas estavam em franca decadência no século XVI, Portugal apresentava seu maior nome: Luís de Camões. Este nome teve a autoria da epopeia da expansão marítima atlântica, Os Lusíadas, que em conjunto como o Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes – obra cômica que destruiu o mito do cavaleiro medieval – pode ser considerada a obra de referência do Renascimento ibérico.
O Renascimento, entretanto, foi um fenômeno essencialmente italiano. Quando pensamos nele acabamos por lembrar imediatamente dos grandes nomes da Itália, como Leonardo da Vinci, considerado o homem símbolo do movimento e autor de uma das obras eternizadas do período: a Mona Lisa. Da Vinci foi mestre não somente na pintura, mas também nos estudos da anatomia, arquitetura, engenharia, guerra e urbanização. Além dele, temos que prestar atributo a Dante Alighieri, autor da Divina Comédia, na qual é conduzido pelo poeta clássico Virgílio pelos três mundos metafísicos idealizados pela Igreja Católica no período medieval: o paraíso, o purgatório e o inferno. O florentino Nicolau Maquiavel é considerado o pai da Ciência Política por ter escrito O Príncipe, uma espécie de manual que revolucionava a moral de conduta política dos monarcas, ao admitir aquilo que já era notório: o chefe de governo não deveria se submeter a uma moral cristã piedosa, podendo estar acima das virtudes da Igreja Católica e promover o mal em nome do Estado. A conduta maquiavélica não foi bem recebida em Roma.
Buonarroti Michelangelo, ao lado de Da Vinci, presenteou o mundo ocidental com as mais belas obras artísticas do Renascimento italiano: os afrescos da capela sistina no Vaticano, realizados por encomenda do papado. O tema obviamente não poderia deixar de ser católico: O Juízo Final. Ironicamente, Michelangelo chegou a declinar do pedido de fazer os afrescos, pois em sua época os mais notórios artistas trabalhavam com a escultura. Península Itálica ainda deu ao mundo Galileu Galilei e sua teoria heliocêntrica, que rompia com a astronomia católica geocêntrica, inaugurando uma nova ciência astronômica baseada não mais nas escrituras, mas na observação empírica e no método científico. Poderíamos falar ainda de Donatello, Doni, Dovisi, Petrarca, Rafael, Ramelli, Ramusio, entre outros.
O Renascimento eternizou também grandes nomes fora das cidades italianas, como William Shakespeare na Inglaterra, grande dramaturgo, autor de Hamlet, Henrique V, Otello, As Alegres Comadres de Windsor, Romeu e Julieta, entre outros clássicos. Na França, coube ao irreverente padre François Rebelais escrever a obra literária máxima do Renascimento em seu país: Gargantua e Pantagruel. No Sacro Império Romano Germânico, devido a intensa atuação de Lutero contra alguns dogmas do catolicismo, o Renascimento foi pouco relevante, cabendo ao artista plástico Dührer retratar imagens do cotidiano e aspectos religiosos da região.
O IMPACTO PARA O MUNDO MODERNO
É uma realidade inquestionável que o Renascimento foi um movimento artístico e cultural que abalou mais profundamente as estruturas e concepções mentais da Península Mediterrânea que do restante do continente. Entretanto, o que explica o papel de vanguarda dos italianos? A geografia nos auxilia a compreender em parte esta situação, já que o Renascimento Comercial e Urbano no Mediterrâneo provocou a ascensão de um novo grupo de comerciantes especializados. Os burgueses da Península Itálica, os mais ricos da Europa por monopolizarem o comércio das especiarias do Oriente , praticavam o mecenato. Agnes Heller denominou o Renascimento de “aurora do capitalismo”. O patrocínio das artes era uma forma de demonstrar ascensão ou status social, pois o alto clero e a nobreza já ostentavam um estilo de vida que os distinguia do resto da sociedade europeia.
O elemento burguês queria se aproximar deste modo de vida aristocrático, patrocinando a produção artística. Se existiu Leonardo Da Vinci foi porque havia um Lorenzo de Médici a patrociná-lo. A despeito do Renascimento apresentar uma arte com temas católicos de modo corriqueiro, como, por exemplo, a Santa Ceia de Da Vinci, estes autores buscam valorizar em suas obras a estética antropocêntrica. A concepção que temos de um Cristo esbelto de traços finos, pele alva e com longa barba, cabelos lisos e olhos em tons claros, por exemplo, é tipicamente renascentista europeia. Certamente não corresponderia com a imagem de um Cristo histórico nascido em uma tribo de judeus em pleno Oriente Médio. A imagem de Cristo é um exemplo de uma reconstrução histórica manipulada. O Renascimento deveu-se, portanto, ao mecenato ou patrocínio das artes. É um erro, entretanto, dissociar este movimento cultural e artístico da aristocracia italiana. A despeito do Renascimento romper com a estética da “Idade das Trevas” e defender uma visão racional e hedonista de mundo, também apresentava um estilo outrora elitista e religioso.
Um elemento que também estava presente nas obras dos autores citados anteriormente era a valorização do vernáculo, isto é, dos idiomas nacionais na produção literária. Neste sentido, a Igreja Católica perdeu terreno para o processo de formação dos Estados Nacionais. Com o advento da imprensa, a publicidade na Europa se tornou mais usual, favorecendo o acesso de um número maior de pessoas às obras dos escritores renascentistas. Escrever deixou de ser um ofício exclusivo dos padres humanistas, fazendo com que o latim católico fosse paulatinamente abandonado em favor de línguas nacionais que pudessem atingir um número maior de leitores com um grau menor de instrução. Além disso, a presença de sábios bizantinos, oriundos do Império Romano do Oriente ou Constantinopla, tomado pelos turcos-otomanos, favoreceu a tradução de obras da Antiguidade clássica.
O Renascimento italiano encontrou sua decadência no esgotamento econômico da península e na repressão da Igreja Católica a outro movimento importante do período: a Reforma Protestante. A expansão marítima e comercial atlântica teve como momento auge a chegada do vice-almirante Vasco da Gama a Calicute em 1498. A expedição de Vasco da Gama marcou a quebra do monopólio italiano no comércio com o Oriente e a transferência do eixo comercial do Mediterrâneo para o Atlântico, provocando a decadência da burguesia italiana e, de modo consequente, do mecenato. A Reforma Protestante, iniciada em Wittenberg em 1517, pelo monge da Ordem dos Agostinhos, Martinho Lutero, ameaçava seriamente a unidade da Igreja Católica na Europa Ocidental. Roma, através do Concílio de Trento (1545-1563), reativou o Tribunal do Santo Ofício e estabeleceu um Índex de obras censuradas pela Igreja. A repressão e a censura atingiram renascentistas renomados, por exemplo, Galileu e Maquiavel. A reação católica levou a arte novamente para um apelo de religiosidade que exaltaria Deus em um obscurantismo barroco.