O Golpe de 1964 e o Início dos Anos de Chumbo
O regime militar instalado no Brasil foi fruto de uma intensa mobilização das Forças Armadas e da sociedade civil, temerosa pela guinada tomada pelo governo Goulart
O GOLPE
Um inventário dos elementos conspiradores de 1964 excede consideravelmente a oficialidade dos quartéis: as associações de mulheres e empresários, os Institutos Brasileiro de Ação Democrática e de Pesquisa e Estudos Sociais, a conservadora classe média com sua “Marcha da Família com Deus e pela Liberdade” – representando uma resposta ao Comício da Central do Brasil ao destacar que os oposicionistas a Goulart também tinham uma base de apoio -, a União Democrática Nacional e políticos recalcitrantes de outras agremiações, os governadores dos estados mais importantes da União, os setores mais conservadores da Igreja Católica e a majoritária imprensa nacional. Os mais prestigiosos diários nacionais da época, inestimáveis fontes de pesquisa, conduziram uma campanha contra a presidência Goulart com um discurso golpista que incitava ações ao arrepio da Lei Maior, corroborando a hipótese de que as Forças Armadas não estavam sozinhas.
O Correio da Manhã estampou, em 1º de abril de 1964, na primeira página, um virulento editorial endereçado ao Presidente da República intitulado: “Fora!”. O Jornal do Comercio, em 2 de abril de 1964, esclarecia aos seus leitores que “o que ocorreu não foi uma revolta, mas uma revolução. Estamos diante de uma oportunidade única para estruturar uma grande nação. Não vamos desperdiçá-la”. A matéria tinha como título: “Primeiro, limpar”. O Estado de S.Paulo, no 2º clichê de 1º de abril, colocava em sua manchete: “São Paulo e Minas levantam-se pela Lei”.
Quando o general Olímpio Mourão Filho, comandando a 4ª Região Militar e 4ª DI, iniciou a marcha contra o Rio de Janeiro, em 31 de março de 1964, o então coronel Vernon Waters, adido militar da embaixada dos Estados Unidos no Brasil e companheiro do general Castelo Branco durante a II Guerra Mundial, já tinha conhecimento da operação. O embaixador dos EUA no Brasil, Lincoln Gordon, acionou o Brother Sam, plano de ajuda estratégico e militar aos conspiradores. O auxílio americano, entretanto, não se fez necessário: Jango não resistiu, exilando-se no Uruguai. O governo norte-americano de Lyndon Johnson, seguindo as diretrizes da Doutrina Mann, reconheceu prontamente o novo regime instalado no Brasil. Restou a Vernon Walters almoçar com seu velho companheiro de II Guerra: o marechal Castelo Branco, líder do movimento dito revolucionário e primeiro presidente do período militar brasileiro.
Um raro depoimento da classe trabalhadora sobre o Golpe de 1964 foi prestado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que na época da derrocada de Goulart, tinha 18 anos e trabalhava como metalúrgico. Lula disse que “achava que o golpe era uma coisa boa”, demonstrando que o movimento de 1964 não possuía, necessariamente, significado ideológico para o proletariado. Lula conclui dizendo que para os operários mais velhos “o Exército era uma instituição de muita credibilidade”, que poderia colocar o país no rumo certo e acabar com o comunismo. O remédio militar para evitar a suposta “infiltração comunista” no país foi amargo e colocou o paciente em coma profundo: 21 anos de período de suspensão dos princípios democráticos e dos direitos e garantias constitucionais. Um saldo negativo também para as Forças Armadas brasileiras, que, ao combater o inimigo interno, cometeu excessos e comprometeu sua imagem como instituição democrática nacional.
O GOVERNO CASTELO BRANCO (1964 – 1967)
A figura acima representa a imagem de Castelo Branco.
A Junta Militar, que assumiu a vanguarda da situação política com a queda do presidente João Goulart, decretou o Ato Institucional, que deveria ser o único de todo o ciclo militar. Posteriormente, entretanto, novos atos institucionais seriam promulgados, fazendo com que este fosse denominado vulgarmente de Ato Institucional nº 1, que determinava a manutenção da Constituição de 1946, o fechamento de organizações consideradas subversivas, como as Ligas Camponesas, a União Nacional dos Estudantes e o Comando Geral dos Trabalhadores. Ademais, o AI-1 determinava a cassação de mandatos e direitos políticos, por exemplo, os de João Goulart, Leonel Brizola e Francisco Julião, e concedia poderes ao Congresso para eleger um novo presidente, que seria o general Castelo Branco, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas.
Castelo Branco considerava a ditadura um mal necessário. Como salientou Elio Gaspari, o período de Castelo Branco pode ser qualificado como a de uma “ditadura envergonhada”. Os militares não representavam uma classe hegemônica, existindo pelo menos dois grupos que disputariam o poder a partir de 1964. O primeiro grupo, do qual Castelo Branco fazia parte e era um dos principais expoentes, era constituído por oficiais, muitos dos quais ligados à Escola Superior de Guerra. Os castelistas defendiam que o governo militar era um período excepcional e transitório e encaram o golpe como uma missão salvadora, na qual o Brasil estava se livrando do perigo comunista consubstanciado nas perigosas alianças que Goulart estabelecia com lideranças sindicais comunistas. O segundo grupo, representado por generais como Costa e Silva, Jayme Portela de Mello e Silvio Frota, era denominado de “linha dura” e tinha como slogan “a revolução não pode ter prazo”. Nas palavras de Gaspari, era a “ditadura escancarada”.
Apesar de tentar manter o regime militar dentro de certos limites legais, Castelo Branco acabaria perdendo o controle da situação política. Em seu discurso de posse, disse que devolveria o poder em 1965 aos civis. Em 1967, o general Costa e Silva receberia a faixa presidencial, prorrogando indefinidamente a ditadura.
Castelo Branco começou a ceder aos militares da chamada “linha dura” ao permitir a instalação dos Inquéritos Policiais Militares (IMP), dentre os quais o nº 709 ficou famoso. O IMP 709 foi conduzido pelo então coronel Ferdinando de Carvalho e investigou a ação comunista no Brasil. Outros IPM’s foram organizados para investigar casos de corrupção, um dos quais acabou servindo de base para cassar o mandato do senador Juscelino Kubitschek.
No plano econômico, o governo foi marcado pela adoção do Plano de Ação Econômica Governamental (PAEG), cujo principal objetivo era a estabilização econômica e o combate ao processo inflacionário que marcava a economia brasileira desde a década de 1940. As principais medidas do PAEG foram o ajuste fiscal (com aumento da receita e diminuição de despesas), controle do crédito ao setor privado e um mecanismo de “correção salarial”, que passaram a ser reajustados de acordo com a expectativa de inflação, levando-os na prática a um achatamento. O arrocho salarial iniciado pelo PAEG marcou a política salarial dos governos militares. A política aumentou a arrecadação do governo e conseguiu reduzir a inflação de 92% (1964) para 39% (1966), não atingindo, no entanto, a meta de 10%. O crescimento econômico do período foi razoável, na casa de 4% do PIB durante o Governo Castelo Branco.
O governo ainda adotou reformas nos campos do mercado de trabalho, financeiro e tributário. No primeiro campo, acabou com a flexibilidade de emprego para trabalhadores que permanecessem mais de 10 anos na mesma empresa. Como contrapartida, criou o FGTS, poupança compulsória cujos recursos eram administrados pelo Estado. Os recursos do FGTS foram direcionados para a política habitacional do país, via criação do Banco Nacional de Habitação. O argumento do governo para a criação do FGTS era que estimularia o setor de construção civil e as contratações de novos trabalhadores. Críticos diziam que tal reforma no mercado de trabalho estimulariam demissões. Em termos de dados, é impossível afirmar qual campo estava correto, visto que os dados sobre mercado de trabalho remontam aos anos 1980. A reforma tributária aumentou a carga de 16% para 21% do PIB, através da criação de novos impostos como o ICMS, ISS E IPI. Já a reforma financeira visou aumentar o nível de poupança e atrair investimentos. Foi criada uma nova autoridade financeira, o Banco Central, nos moldes do FED norte-americano, revogada a Lei de Remessa de Lucros criada no governo Goulart e a Lei de Usura, que impedia que o governo remunerasse investimentos com juros acima de 12%.
Em 1965, Castelo Branco manteve as eleições diretas para governadores de estado, a despeito das queixas da linha dura, que advogava simplesmente a imposição de interventores nos estados ou a indicação de governadores pela via indireta. O resultado das eleições mostrou que o regime militar, apoiado no momento do golpe por setores da sociedade civil, perderá crédito rapidamente. A oposição venceu as eleições na Guanabara, com Negrão de Lima, e em Minas Gerais com Israel Pinheiro. O governo, pressionado pela linha dura, editou os Atos Institucionais 2 e 3 que, combinados, dissolviam os partidos políticos tradicionais e instituíam o bipartidarismo com a Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido governista, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), oposição consentida, além de determinar as eleições indiretas para governadores de estado e prefeitos de capitais. Os governadores de estado que apoiaram o golpe em 1964, percebendo que os militares estavam conduzindo o processo político de modo a dar continuidade ao regime, começavam a romper com o governo.
No plano externo, o governo promoveu o que chamou de “correção de rumos”, afastando o país dos regimes socialistas e da política autônoma encetada desde o governo Jânio Quadros. Nesse sentido, foi retomado um alinhamento automático aos EUA semelhante ao do Governo Dutra. Tal postura acabou sendo efêmera na diplomacia brasileira, mesmo durante os governos militares, que rapidamente passaram a adotar posturas mais autônomas no plano internacional. O historiador Amado Cervo denominou a política externa durante o Governo Castelo Branco como um “passo fora da cadência”, por ser extremamente diferente da política externa de seus antecessores ou predecessores.
Em 3 de outubro de 1966, apesar da desaprovação castelista, o general Costa e Silva, que representava a linha-dura, teve sua candidatura aprovada pelos congressistas. Era a continuidade de uma ditadura que, objetivava durar um ano.