O Fim da Ditadura – A Abertura e suas Tensões
Aprenda sobre o FIM DA DITADURA.
O GOVERNO GEISEL (1974 – 1979)
O general Ernesto Geisel assumiu a presidência em contexto que prenunciava dificuldades internas e externas, tanto no campo político quanto econômico. Primeiramente, o presidente veria o crescimento de uma série de movimentos de oposição ao regime militar, cuja demanda básica era a redemocratização. Nesse sentido, tais demandas contrastariam com o projeto de distensão simbolizado pelo general-presidente e pelo general Golbery do Couto e Silva: a “abertura lenta, gradual e segura”. Já no âmbito econômico, o governo lidaria com a dificuldade de completar o projeto industrial que teve seu ápice no “milagre” e o esgotamento do modelo de industrialização via substituição de importações, tendo como base o endividamento externo.
A figura acima representa a imagem de Geisel.
Diante do cenário externo de restrição de crédito, a opção do governo Geisel foi de prosseguir com a industrialização via endividamento, o que significava arcar com taxas de juros cada vez mais altas. Foi através do II PND (lançado em 1974) que os objetivos industrializantes do governo Geisel foram instrumentalizados. O Plano focava quatro áreas prioritárias de investimento: química fina e pesada, com foco na construção de refinarias; bens de capital, principalmente na área militar, o que permitiu ao Brasil tornar-se grande exportador de blindados e carros de guerra; área tecnológica, com o desenvolvimento de programas de pós-graduação e ampliação da ação do CNPQ em determinadas áreas do Ensino Superior; energia, priorizando o setor hidrelétrico, nuclear (com a construção de usinas em Angra) e o desenvolvimento do Proálcool, para incentivar setor sucroalcooleiro e promover energias combustíveis alternativas.
O financiamento do desenvolvimento brasileiro no período veio de duas fontes, prioritariamente: internamente, a partir de linhas de crédito ampliadas pelo BNDE, virtualmente a única instituição nacional de grande porte que poderia exercer tal papel na época; e de bancos estrangeiros, que passam a abundar o mercado de possibilidades de empréstimo através do dinheiro dos “petrodólares”. Tais recursos seriam provenientes do dinheiro adquirido pelos países exportadores através da venda de petróleo, que posteriormente seria investido em bancos privados americanos ou europeus. No entanto, em 1979, os juros no mercado internacional voltam a ficar altíssimos após dois “choques”: o II choque do petróleo, no contexto da Revolução Iraniana; e o choque de juros, promovido pelo governo norte-americano, que aumentou os juros no mercado internacional e gerou uma escassez de dólares. O resultado, ao final do Governo Geisel, foi o grande crescimento do parque industrial brasileiro com uma péssima contrapartida: a explosão da dívida externa e o esgotamento do modelo de endividamento, o que trouxe consequências brutais para a economia brasileira na década de 1980.
Um dos recursos adotados pelo governo Geisel para acelerar o desenvolvimento industrial foi a política externa, denominada pelo chanceler Azeredo da Silveira de Pragmatismo Ecumênico e Responsável. Tal modelo pressupunha a condução da política externa brasileira sem influências ideológicas, trazendo como norte o pragmatismo e mantendo relações exteriores e comerciais com qualquer país independente do modelo político, liberal ou socialista. Nesse sentido, ocorre notável aproximação dos países do Leste Europeu no âmbito comercial, bem como são estabelecidas relações com a China comunista, até então sequer reconhecida pelo Brasil. O Brasil adotou uma postura mais agressiva quanto ao anticolonialismo, especialmente após a Revolução dos Cravos em Portugal. Reconheceu, prontamente, as independências africanas, com destaque para o caso de Angola. Tal método de ação era uma forma de ampliar os laços comerciais do Brasil. O Pragmatismo Responsável gerou atritos com os Estados Unidos, agudizados no governo Carter, quando a política externa norte-americana passou a condenar regimes autoritários em prol da defesa dos direitos humanos. O acordo nuclear com a Alemanha, base da construção das usinas brasileiras, auxiliou na deterioração das relações bilaterais.
O historiador norte-americano Thomas Skidmore denominou o Governo Geisel de “governo da sístole e da diástole”, pois houve avanços no sentido de promover a abertura democrática e, ao mesmo tempo, medidas autoritárias para garantir que os militares conduzissem o processo de abertura democrática até o último minuto.
Geisel iniciou um processo conhecido como “abertura lenta, segura e gradual”, isto é, o retorno para o estado de normalidade democrática conduzida pelos militares de tal modo que não houvesse qualquer risco de que os civis pudessem tomar o poder repentinamente e, deste modo, adotarem medidas contra os oficiais que tivessem abusado da autoridade.
A figura acima representa a imagem de Vladimir Herzog.
A distensão teve como grandes símbolos a renúncia, por parte de Geisel, de novos Atos Institucionais, além do afastamento da linha-dura dos postos de comando. Geisel sabia perfeitamente que seu projeto de abertura democrática seria rejeitado pelos militares mais exaltados, por isso tomou todas as precauções para afastar os duros dos postos de comando, como o general Silvio Frota, ministro do Exército. O assassinato do jornalista Wladimir Herzog, que supostamente teria cometido suicídio em sua cela, em outubro de 1975, e a morte do operário Manoel Fiel Filho, ambos ocorridos na área de comando do II Exército, provocaram a exoneração do general Ednardo D’Ávila Melo, considerado um expoente da linha-dura. O afastamento do general Melo era um recado de que o presidente Geisel não iria mais tolerar excessos.
O regime, entretanto, ainda se mantinha fechado e o general Geisel tomou medidas discricionárias para evitar o avanço do MDB. Em 1976, o presidente adotou a Lei Falcão, idealizada pelo ministro Armando Falcão. A referida lei restringia a propaganda política, determinando que os candidatos a cargos eletivos somente podiam mostrar uma foto e o currículo, ficando impedidos de falar. Era uma forma de calar o MDB no espaço eleitoral. Posteriormente, o governo lançaria o “Pacote de abril”, de 1977, que determinava a criação da figura do “senador biônico”, ou seja, aquele que não era escolhido pelo povo, mas pelo governo. Além disso, o governo determinava que os projetos de leis, para serem aprovados no plenário do Congresso, precisariam apenas de maioria simples e não de dois terços. Era uma forma de garantir a aprovação de medidas do governo, pois a Arena, a despeito de ainda ser maioria no Congresso, tinha perdido espaço para o MDB. Por fim, o governo ampliava o mandato presidencial de 5 para 6 anos.
GOVERNO FIGUEIREDO (1979 – 1985)
O general João Batista Figueiredo foi o último presidente do ciclo militar, inaugurado em 1964. O Governo Figueiredo caracterizou-se pela concretização do processo de abertura democrática preconizada pelo general Geisel.
As primeiras medidas do novo governo foram a promulgação da Lei da Anistia Política e da Lei Orgânica dos Partidos Políticos. A primeira lei estabelecia uma anistia “ampla, geral e irrestrita”, isto é, o perdão por crimes políticos cometidos durante o período da ditadura beneficiaria todos os envolvidos: aqueles que combateram a ditadura em movimentos qualificados como “subversivos”, assim como os homens que trabalharam nos órgãos de repressão do governo. Nenhum militar poderia ser processado por excessos cometidos durante o regime, inclusive crimes de tortura. Apesar disso, a Lei de Anistia foi importante para permitir que os intelectuais, oposicionistas e políticos cassados pelo regime militar, pudessem retornar ao Brasil, como Paulo Freire, Luís Carlos Prestes, Leonel Brizola, Miguel Arraes, entre outros.
A Lei Orgânica dos Partidos Políticos foi um golpe de mestre do general Golbery do Couto e Silva, considerado a eminência parda do regime. A Lei Orgânica extinguia o sistema bipartidário inaugurado em 1965. O benefício, entretanto, era sobretudo da Arena, pois com a extinção do bipartidarismo, novas agremiações políticas seriam toleradas, fragmentando deste modo a oposição. A Arena trocou de nome e passou a ser conhecida como Partido Democrático Social (PDS), pois o nome Arena estava desgastado como símbolo da ditadura. O MDB manteve a legenda, incluindo apenas o termo “partido”, uma exigência da lei. Ademais, surgiram o Partido Democrático Trabalhista (PDT) de Leonel Brizola, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), de Ivete Vargas, o Partido dos Trabalhadores (PT), do sindicalismo paulista, e o Partido Popular (PP), que acabaria juntando-se ao PMDB. Os partidos comunistas não foram liberados. A oposição estava de fato dividida.
Em 1982, dentro do projeto de redemocratização, ocorreram as primeiras eleições diretas para governadores de estado desde 1965. Nesse sentido, merece destaque para as vitórias do PMDB e a conquista do governo do estado do Rio de Janeiro por Leonel Brizola.
A abertura democrática, entretanto, não foi pacífica. A linha-dura manifestou-se em atentados à bomba contra bancas que vendiam periódicos a favor do processo de redemocratização, contra a sede da Ordem dos Advogados do Brasil, que vitimou a secretária da instituição, e o caso mais famoso, o episódio do Riocentro, em abril de 1981, quando uma bomba explodiu dentro de um Puma, vitimando dois oficiais à paisana que, aparentemente, tinham a intenção de jogar o artefato no momento em que ocorria um show em favor da campanha pela democracia. Figueiredo, dono de frases de efeito como “prefiro o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo” e “povinho de merda que não sabe votar”, proferiu mais uma de suas pérolas: “quem for contra o processo de redemocratização, eu mando prender e arrebentar”.
As eleições presidenciais ocorreriam em novembro de 1984 e seriam indiretas, isto é, o novo presidente civil seria escolhido pelo Congresso. Em 1983, contudo, foi lançada a proposta do deputado federal do PMDB, Dante de Oliveira de realização de uma Emenda Constitucional para que as eleições fossem diretas. Nascia assim a proposta de emenda Dante de Oliveira e a campanha “Diretas Já!” Milhares de brasileiros se reuniram na Cinelândia, na Praça da Sé e em outros lugares de concentração política, exigindo as eleições diretas.
A figura acima representa o protesto “Diretas Já”
A rede Bandeirantes de televisão teve um papel muito relevante no sentido de fazer a cobertura da campanha. Fafá de Belém e Milton Nascimento acompanharam os comícios ao som do hino nacional e de Coração de estudante. A emenda Dante, entretanto, não foi aprovada, pois o PDS não compareceu à votação da proposta, não sendo possível obter o número de votos necessários para a modificação da Constituição. O pleito seria indireto e entre os candidatos estavam Tancredo Neves (PMDB) e Paulo Maluf (PDS). A vitória de Tancredo Neves somente foi possível porque o PDS sofreu uma cisão e parte dos políticos dissidentes formou o Partido da Frente Liberal (PFL), que votaria em peso no PMDB em troca de espaço político no próximo governo. O PDT e o PT boicotaram a votação indireta.