O congresso de Viena e as Ondas Liberais do Século XIX
Após a derrota napoleônica em 1815, um Congresso continental é convocado na capital do Império Austríaco, Viena, com o objetivo de refazer a política europeia em moldes conservadores e reacionários.
O CONGRESSO DE VIENA
Tratava-se de reconstruir a ordem absolutista depois dos traumáticos processos da Revolução Francesa e Era Napoleônica que abalaram a ordem tradicional do Velho Continente, calcada no Absolutismo de direito divino e na sociedade aristocrática de privilégios. O principal nome do Congresso de Viena seria o do ministro Metternich, que elaboraria uma ambiciosa agenda de restauração das Monarquias Absolutistas e de redefinição do mapa europeu a partir de uma observação anterior ao processo revolucionário.
Os princípios fundamentais formulados no Congresso de Viena foram o da legitimidade e o do equilíbrio europeu. O primeiro estabelecia que as monarquias destituídas nos conturbados anos finais do século XIX até aquele momento deveriam ser restauradas. O equilíbrio europeu estava associado ao fundamento de que as fronteiras da Europa deveriam retornar aos limites pré-revolucionários. Ambos os princípios foram acompanhados de outros acessórios complementares, como as compensações aos vencedores e o estabelecimento do direito de livre navegação em mares e oceanos, tão caro aos ingleses.
A França, após a restauração absolutista com Luís XVIII, participou do Congresso de Viena. O ministro Talleyrand representou os interesses franceses e foi bem-sucedido no sentido de evitar que seu país, derrotado pelas nações coligadas, sofresse pesadas retaliações por parte dos vencedores. Dessa forma, apesar de vencida, conseguiu manter sua independência política e integridade territorial.
Os maiores prejudicados no Congresso de Viena foram os Estados formados ou em tímido processo de unificação durante o período napoleônico, tais como a Polônia, além das atuais Itália e Alemanha. Estas se converteram em mosaicos de uma nacionalidade. O antigo Reich ou Sacro-Império Romano Germânico, que contava com cerca de 350 pequenos Estados, durante a Era Napoleônica foi desestruturado em um território de menor extensão através da instituição da Confederação do Reno, e após o Congresso de Viena substituído pela Confederação Germânica, mais enxuta com 39 Estados. A Península Itálica foi dividida em cerca de 8 Estados e voltaria a sofrer a influência da Igreja Católica, abalada no período do império napoleônico.
As três principais nações beneficiadas territorialmente no Congresso de Viena foram a Áustria, a Prússia e a Rússia. A Inglaterra, único país liberal e parlamentar entre as potências absolutistas, contentou-se com a aprovação das regras do liberalismo no mar que beneficiavam seu comércio com o mundo americano e colonial. Ademais, os ingleses mantiveram seus domínios sobre Cabo e Ceilão, conquistados à custa dos Países Baixos, e algumas ilhas das Antilhas francesas.
Os austríacos renunciaram aos seus domínios nos Países Baixos, demasiadamente longínquos para Viena e virtualmente indefensáveis em caso de uma revolução ou guerra. A Áustria, entretanto, reforçou sua posição na Península Balcânica e no nordeste da Itália, convertendo-se de fato em um Império multiétnico.
Os prussianos obtiveram o domínio sobre a Saxônia e a Renânia, convertendo-se no mais importante país de língua alemã, depois da Áustria. O Reino da Prússia e o Império da Áustria, posteriormente, entrariam em atrito pela liderança sobre os Estados de língua alemã.
Os russos obtiveram o controle de boa parte da Polônia, incluindo a cidade de Varsóvia. O poderio russo seria inibido posteriormente por uma coalizão anglo-austríaco-francesa para conter um possível expansionismo. Entre 1853 e 1856, eles foram contidos na chamada Guerra da Crimeia, quando tentaram promover um expansionismo territorial sobre a região do Mediterrâneo à custa do Império Turco-Otomano. Durante a guerra, na batalha de Sebastopol, registrou-se a primeira guerra contemporânea de trincheiras.
O reino de Portugal foi convidado a enviar representantes ao Congresso de Viena. A família real portuguesa, entretanto, encontrava-se no Brasil desde a transferência provocada pelas invasões napoleônicas. D. João VI elevou, então, o Brasil ao status de Reino Unido a Portugal e Algarves como formalidade para que a Casa de Bragança tivesse legitimidade no referido Congresso. O Estado português foi obrigado ainda a devolver a Guiana aos franceses.
O Congresso de Viena inaugurou ainda a tendência absolutista do século XIX de patrocinar intervenções sobre revoluções de caráter liberal e nacionalista, tanto na Europa como no continente americano, considerando que neste período emergem uma série de movimentos separatistas. O czar Alexandre I propôs a criação de uma “Santa Aliança em nome da santíssima e indivisível trindade”. A Santa Aliança, espécie de exército absolutista europeu, congregava um Império cristão ortodoxo, um reino luterano e um Império Católico. Devido ao teor absolutista e intervencionista, a Inglaterra não participou desta organização. Para os ingleses, o desenvolvimento do liberalismo econômico na América ampliaria suas relações comerciais. A Igreja Católica condenou a Santa Aliança por propor a união entre católicos, ortodoxos e protestantes. O Império Turco-Otomano, islâmico, desaprovou a organização militar da cristandade contra o liberal-nacionalismo. A Santa Aliança, a despeito de algumas intervenções bem-sucedidas, afundou nos interesses divergentes e rivalidades dos próprios países signatários. Em 1822, durante o Congresso de Verona, a Santa Aliança ameaçou intervir nos movimentos de independência da América Espanhola. O primeiro-ministro inglês Canning e o presidente norte-americano James Monroe – a partir da Doutrina Monroe (1823) – reagiram diplomaticamente contra esta pretensão.
AS REVOLUÇÕES LIBERAIS
As revoluções do século XIX tiveram como tônica principal o binômio liberalismo e nacionalismo. O liberalismo seria nocivo ao absolutismo porque propõe um complexo de medidas, como organização constitucional, poder político parlamentar, representação por voto, igualdade civil e divisão harmônica de poderes, que são contra a autoridade absolutista divina. O nacionalismo, por outro lado, ameaça a hegemonia de monarquias como a austríaca e russa, pois estes países controlam territórios de outras nacionalidades. O desejo nacionalista de constituir organizações políticas autônomas comprometeria o poder destes Estados.
As revoluções do século XIX, portanto, apresentam forte caracterização ideológica a partir do liberalismo e do nacionalismo. As levas revolucionárias podem ser divididas em 1820, 30 e 48. Na década de 1820, a agitação política começou nos meios universitários de vários Estados alemães que reivindicavam a convocação de Assembleias Nacionais Constituintes. A repressão organizada por Metternich sufocou, contudo, a primeira tentativa de revolução nos Estados germânicos. Naquele mesmo ano, na Espanha, as tropas aquarteladas na cidade de Cádiz obrigaram o rei Fernando VII a restaurar a Constituição liberal preconizada por Napoleão I em 1812. O Absolutismo espanhol, todavia, seria restaurado com uma intervenção francesa em 1823. Em Portugal, ainda em 1820, a Revolução do Porto exigia o retorno de D. João VI e uma Carta Constitucional, além da retomada do Pacto Colonial em relação ao Brasil, o que precipitaria o processo de independência da outrora colônia americana.
Na Península Itálica, os carbonários tentariam sem êxito instaurar uma República liberal em Nápoles e no Piemonte. A despeito de provisórias constituições estabelecidas, o liberalismo foi evitado através de intervenções militares austríacas. Na França, a “Charbonnerie”, espécie de organização liberal estabelecida à moda dos carbonários italianos, tentou a revolução em Saumur, Belfort, Thouars e Colmar. O assassinato do duque de Berry, sobrinho de Luís XVIII foi um dos trunfos políticos do movimento. A repressão, entretanto, mais uma vez foi decisiva contra a sublevação.
A Rússia, contradizendo os princípios intervencionistas da Santa Aliança, patrocinaria a independência da Grécia, em 1821, em prejuízo do Império Turco-Otomano. Os russos ambicionavam há muito obter uma saída para o mar Mediterrâneo e calcularam que o enfraquecimento dos turcos poderia favorecê-los na obtenção dos estreitos de Bósforo e Dardanelos. O apoio russo ao nacionalismo grego, e as distensões internas entre as potências absolutistas, provocariam o colapso do sistema da Santa Aliança. Ainda na Rússia, um grupo de oficiais tenta acabar com o regime autocrático, apoiando a sucessão do príncipe Constantino no lugar do futuro Nicolau I. O intento fracassou em dezembro de 1825.
A segunda onda revolucionária estourou inicialmente na França, na década de 1830. Carlos X, sucessor do absolutismo Bourbon de Luís XVIII, foi derrubado por um movimento de caráter liberal e popular, sendo obrigado a abdicar e exilar-se. A Revolução, entretanto, teve um caráter muito moderado e limitado, pois o poder foi transferido para o duque de Orleans, que assumiu o trono com o título de Luís Felipe, apelidado de o “rei burguês”. Em agosto de 1830, o vento revolucionário francês varreu a Bélgica, que se tornou independente junto aos Países Baixos. Na Polônia, o czar Nicolau I sufocou um levante nacionalista. Na Península Itálica os sublevados de Parma, Módena e Romana tentaram, sem sucesso, estabelecer uma unificação liberal italiana em detrimento da Igreja e dos déspotas locais. Mais uma vez, a Áustria enviou seus exércitos para sufocar o nacionalismo italiano. Em Hambach, na Alemanha, os nacionalistas preconizaram os “Estados Unidos da Alemanha”, intento também malogrado.
Entre 1846 e 1847, ocorre a última grande crise agrícola de um Antigo Regime tardio. Há registros de levantes populares na Sicília, Milão, Turim, Roma, Nápoles, Florença, Veneza, Viena, Saxônia, Berlim e Boêmia. Seria na França, contudo, que o processo revolucionário resultaria em êxito. As insatisfações populares contagiaram, em Paris, os membros da Guarda Nacional, que apoiaram os manifestantes contra a monarquia de Luís Felipe. Em fevereiro de 1848, a monarquia francesa foi substituída pela II República. O voto universal foi restabelecido depois de mais de cinquenta anos. Karl Marx denominaria o ano de 1848 como a “Primavera dos Povos”, um período em que a classe trabalhadora europeia entrava em cena e ensaiava um processo de emancipação idealizado pelos socialistas.
O novo governo republicano, contudo, associou elementos da burguesia nacional e da classe operária, promovendo medidas de caráter aparentemente utópico, como a manutenção da propriedade e a criação de Oficinas Nacionais como medidas paliativas para atender às demandas sociais. Luís Bonaparte, sobrinho do famoso imperador Napoleão Bonaparte, seria eleito presidente da República com 73% dos votos. Em 2 de dezembro de 1851, o novo presidente desfecha um golpe de Estado, restaurando a Monarquia com o título de Napoleão III, sobre o qual Marx escrevia O 18 de Brumário de Luís Bonaparte.