GOVERNO DUTRA E O SUICÍDIO DE VARGAS
O fim do Estado Novo foi capitaneado por um golpe que depôs o presidente Vargas em fins de outubro de 1945.
INTRODUÇÃO
Este golpe foi liderado por parcelas das forças armadas e lideranças civis, que conduziram ao poder o presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares. Havia temor de tais setores da sociedade acerca da possibilidade da continuidade de Vargas no poder, em especial após o crescimento da campanha “queremista”. Tal movimento começou como uma bandeira eminentemente popular, cuja principal demanda era a bandeira do “Queremos Vargas”, mesmo após a redemocratização. Rapidamente o movimento ganhou adesão e foi instrumentalizado por lideranças do Partido Trabalhista Brasileiro, ligado a Vargas, que organizaram comícios “queremistas” em todo o país. Com a deposição, o movimento desmantelou-se.
A anistia política foi o primeiro ato relevante que favoreceu o processo de redemocratização, pois garantiu que os indivíduos que sofreram cassações ou até mesmo penas de restrições de liberdade pudessem voltar a ter uma vida política normal. Luís Carlos Prestes, o líder histórico dos comunistas, preso por quase dez anos, por exemplo, tornar-se-ia senador pelo Rio de Janeiro. Ademais, foram liberados os partidos políticos no Brasil, proibidos desde a instalação da ditadura varguista em 1937.
Vargas deixaria sua marca na vida política brasileira por muito tempo ainda. Dois entre os três grandes partidos que conduziriam a política nacional até a década de 1960 foram criados pelo grande líder das décadas de 1930 e 40. O Partido Social Democrático (PSD) foi organizado com uma base moderada, sustentada sobretudo pelos grandes proprietários rurais, que mantiveram uma aliança com Vargas, o qual jamais advogou a Reforma Agrária. O presidente, ao mesmo tempo, mantinha uma política de concessões de benefícios para os camponeses bem mais modesta em comparação aos trabalhadores urbanos. O outro partido de base varguista, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), tinha sua sustentação nos meios sindicais, formados e alinhados sob orientação varguista. A coligação PSD/PTB acabaria elegendo três presidentes da República, sem contar João Goulart, que assumiria a presidência em 1961, depois da renúncia de Jânio Quadros da União Democrática Nacional. O terceiro partido de expressão nacional, a UDN, apelidada pelos seus opositores de “partido entreguista”, advogava um conjunto de reformas políticas liberais. O quarto partido expressivo liberado com a redemocratização foi o Partido Comunista, que permanecerá na legalidade brevemente, como veremos a seguir.
A redemocratização foi acompanhada da convocação de eleições nacionais para a Presidência da República e para a Assembleia Nacional Constituinte. Os presidenciáveis eram o general Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra de Vargas, que disputava pela coligação PTB/PSD; o brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN, sobrevivente da revolta do 18 do Forte de Copacabana, que tinha como slogan de campanha entre o público feminino, “ele é lindo, ele é solteiro, vote no brigadeiro!.”; e, com poucas chances, o engenheiro Yedo Fiúza, do Partido Comunista.
A vitória eleitoral caberia ao general Dutra, que obteve apoio de Getúlio Vargas – figura ainda com bastante apoio e prestígio popular. A Assembleia Nacional elaboraria a Carta Constitucional de 18 de setembro de 1946, consolidando o retorno da democracia no Brasil. Esta nova Constituição foi a 5ª da história do país e estabelecia novas medidas como:
• Voto secreto e universal
• Três poderes independentes entre si
• Liberdade aos meios de comunicação
No entanto, apesar de estabelecer princípios democráticos, mantinha limitações como:
• Restrição do direito de voto aos analfabetos
• Limitava o direito de greve.
GOVERNO DUTRA (1946 – 1951)
Os primeiros anos da Guerra Fria tiveram forte influência no cenário político-social brasileiro. O governo Dutra, em termos de política externa, caracterizou-se por um profundo sentimento anticomunista. Apesar das perseguições políticas realizadas contra os comunistas, o quadro constitucional e democrático foi preservado, ao contrário do que acontecerá no cenário político brasileiro após 1964. A criação, em 1949, da Escola Superior de Guerra é um episódio significativo que demonstra o anticomunismo nos anos Dutra. que corrobora o anticomunismo nos anos Dutra. A ESG foi organizada pelo general Cordeiro de Farias, com o objetivo de “criar lideranças civis e militares”.
A proximidade das Forças Armadas brasileiras com os militares dos Estados Unidos remonta ao tempo da II Guerra Mundial, quando foi organizada a Força Expedicionária Brasileira, que se integraria ao V Exército norte-americano na Itália. O general Cordeiro de Farias chegou a declarar sobre a ESG: “nós somos filhos da War College”.
A figura acima representa a imagem de Eurico Gaspar Dutra.
Outro episódio do governo Dutra que revela um profundo anticomunismo foi a cassação do registro e mandatos políticos dos membros do Partido Comunista. O I Congresso do Partido Comunista do Brasil ocorreu entre 25 e 27 de março de 1922. O programa aprovado por unanimidade acatava as 21 condições para a admissão do Partido na III Internacional, também denominada Internacional Comunista ou Komintern. A III Internacional foi uma organização convocada por Lênin em 1919, que tinha por objetivo “bolchevizar” os partidos comunistas dos diversos países, isto é, garantir uma espécie de monopólio decisório para Moscou no movimento comunista internacional e, desta forma, evitar uma nova cisão como a ocorrida na II Internacional, pela presença de elementos “centristas”, isto é, liberais, moderados, reformistas ou sociais-democratas.
Para que um partido fosse reconhecido pelo Komintern, era necessário aceitar os 21 pontos, os quais estabeleciam o reconhecimento da autoridade soviética no movimento comunista internacional (1º, 16º), o afastamento de elementos considerados moderados (2º, 7º, 11º, 13º), a criação de uma “aparelhagem ilegal paralela” para “cumprir seu dever para com o Partido” (3º), a infiltração nas organizações militares, sindicais e camponesas (4º, 5, 9º), a renúncia ao patriotismo e ao pacifismo social (6º) e a obrigação de “prestar auxílio às Repúblicas Soviéticas” (14º).
O deputado da UDN, Juracy Magalhães, foi peça-chave na cassação do registro e de mandatos do Partido Comunista durante o governo Dutra. Em um debate parlamentar em março de 1947, Juracy Magalhães perguntou ao então senador comunista Luís Carlos Prestes: “No caso de ser a Rússia adversária do Brasil em uma guerra, o senhor senador e o Partido Comunista lutarão pela pátria ou iniciarão uma guerra civil?”. Prestes vacilou na resposta e o procurador Alceu Barbedo sustentou o pedido de cassação do Partido Comunista, segundo o art. 141, § 13, da Constituição de 1946, o qual dizia que “é vedada a organização, o registro ou o funcionamento de qualquer partido ou associação, cujo programa ou ação contrarie o regime democrático, baseado na pluralidade dos partidos”. O Partido Comunista foi cassado e amargaria uma clandestinidade de cerca de 40 anos.
Ainda no âmbito do alinhamento ideológico, o Brasil aderiu ao sistema interamericano de defesa coletiva desde os primeiros momentos. É simbólica, nesse sentido, a adesão ao (TIAR). Tratado Interamericano de Assistência Recíproca em 1947, também denominado de Pacto do Rio. Os países signatários do Pacto comprometiam-se com a defesa coletiva de todos os membros em caso de agressão externa. Em tempos de Guerra Fria, isso significava, na prática, a agressão vinda do mundo socialista. Foi ainda o governo Dutra signatário da Carta da Organização dos Estados Americanos, organização internacional cuja criação foi projetada pelos Estados Unidos para promover a discussão no âmbito continental das políticas internacionais entre os países-membros. De certa forma, a OEA prescindia as discussões que poderiam ser levadas ao seio da Organização das Nações Unidas (ONU), instituição onde os EUA teriam um menor poder de influência. Tal organização é dotada de uma série de prerrogativas, chegando a poder promover sanções aos países-membros.
O Brasil rompeu relações com a União Soviética em 1947, em episódio que pode ser interpretado como alinhamento ideológico com os EUA. No entanto, é necessário ressaltar o caráter eminentemente autônomo do movimento, visto que a motivação para o rompimento foram críticas feitas ao presidente Dutra em jornais soviéticos, e não a pressão norte-americana. Além disso, não houve pressão dos EUA para motivar o rompimento de relações, o que é atestado pelo fato de os próprios norte-americanos não terem rompido relações com a URSS.
A política econômica do governo Dutra pode ser delimitada por dois marcos. Inicialmente, desenhava-se uma política de orientação liberal em termos de comércio exterior e ortodoxa nas ações da política econômica. A mudança na política de comércio exterior data de 1947 e 1948, com adoção de um sistema de contingenciamento às importações. Posteriormente, em 1949, ocorre o afastamento do ministro da Fazenda, Corrêa e Castro. Tal movimento indicou a passagem de uma política contracionista e ortodoxa para outra, de maior flexibilidade.
Inicialmente, a política liberal tinha como objetivo flexibilizar as importações de bens de consumo para diminuir a inflação que aplacava a economia brasileira desde o Estado Novo. No entanto, acabou fracassando e levando o governo a criar uma política alfandegária baseada nas guias de importação, pela qual os bens importados só poderiam ser trazidos ao país se tivessem prévia autorização do Banco do Brasil, fornecida pelas tais guias. Tal política favoreceu a importação de bens de capital em detrimento de bens de consumo, gerando um duplo efeito: o aumento da industrialização e a proteção dos produtos nacionais. Tal política, que foi chamada de industrialização por substituição de importações, levou a um crescimento do setor da indústria de transformação durante o governo Dutra na casa de 42%. O PIB cresce 9,7% em 1948 e 8,0% em 1949. A inflação, no final do governo, atingiu a casa de 12% ao ano.
O governo anunciou um plano de investimentos públicos denominado Plano SALTE (sigla para Saúde, Alimentação, Transporte e Energia). O plano teve resultados tímidos: a pavimentação da rodovia que ficaria conhecida como presidente Dutra, a hidrelétrica de Paulo Afonso e obras para a Copa de 1950. No entanto, carente de recursos, foi sendo esvaziado até ser oficialmente extinto no governo Café Filho.
GOVERNO VARGAS (1951 – 1954)
A sucessão presidencial de Dutra marcaria o retorno de Getúlio Vargas ao poder. Dutra, que havia rompido com Vargas, lançou o obscuro advogado Cristiano Machado como candidato pelo PSD. A candidatura de Machado, abandonada na prática pelo PSD em favor de Vargas, deu origem à expressão política “cristianizar” o candidato, isto é, abandoná-lo. Vargas, candidato pelo PTB e recebendo os votos do PSD, bateu com relativa facilidade o brigadeiro Eduardo Gomes da UDN, novamente segundo colocado.
Vargas tentaria, sem sucesso, implementar uma nova política das conciliações, tal como havia feito assim que tomara o poder em 1930. Todos os partidos políticos receberam pastas ministeriais, incluindo a opositora UDN. O maior quinhão, entretanto, foi guardado para o PSD. O PTB ficou com o Ministério do Trabalho, considerado estratégico dentro da política de Vargas.
O ponto mais importante do governo Vargas, na década de 1950, foi a campanha “o petróleo é nosso”, levando à fundação da Petrobras, que, juntamente à CSN, foi o maior símbolo do nacionalismo econômico varguista. A criação da Petrobras, entretanto, revelou a falta de habilidade política de Getúlio Vargas para lidar com os diversos fatores políticos em um período de Estado democrático e conseguiu desagradar vários grupos e setores sociais importantes, contribuindo para minar o governo.
O governo norte-americano do presidente Eisenhower, descontente com os rumos da política nacionalista de Vargas, suspendeu empréstimos que os Estados Unidos concederiam ao país, além de boicotar a importação de café brasileiro, que ainda era um produto importante para a economia nacional. Além disso, a criação da Petrobras conseguiu desagradar ao mesmo tempo a UDN e a esquerda. O anteprojeto da formação da Petrobras previa que a empresa deveria ser uma estatal de controle integral do governo, isto é, com a totalidade do capital sendo estatal. A UDN, entretanto, que era contra a criação da Petrobras e defendia simplesmente a abertura do país para as empresas privadas americanas e europeias, conseguiu incluir uma emenda no projeto original da Petrobras, determinando que a empresa seria uma estatal de capital misto, ou seja, com controle acionário do governo, mas com a participação do capital privado.
Concomitante à criação da Petrobras, Vargas apelou para o pacto trabalhista, notado quando seu ministro do trabalho, João Goulart, anunciar um aumento de 100% no salário mínimo, o que desagradou especialmente os empresários e militares. O jornalista Carlos Lacerda, dono do Tribuna da Imprensa e expoente da UDN, pregava abertamente o golpe de Estado. Os escândalos de corrupção do governo começaram a chegar à tona, como o escândalo do Banco do Brasil/jornal Última Hora, de propriedade de Samuel Wainer. A gota-d‘água, porém, foi o desastroso atentado da rua Toneleros, em Copacabana, que vitimou o major Rubem Vaz e acabou ferindo o pé do jornalista Carlos Lacerda. Os rumos da investigação apontavam para a relação do Palácio do Catete com o caso.
Vargas, intimado pelos militares a deixar o poder novamente, ameaçou suicidar-se antes que o golpe viesse. A promessa foi cumprida e a última cartada política de Vargas acabou com as esperanças da UDN de chegar ao governo. Com o suicídio, Vargas virou o jogo político, tornando-se a vítima do processo histórico e transformando a UDN e a Aeronáutica em vilões. A Carta Testamento, documento com grande importância simbólica neste momento, teve significativa influência nesta virada política. Carlos Lacerda foi obrigado a deixar o país, e os militares da Aeronáutica evitavam andar fardados pelas ruas do Rio de Janeiro.
O vice-presidente, Café Filho, assumiu o governo, no entanto, posteriormente acabou sendo internado após um ataque cardíaco. Assumiu, então, o presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz, político ligado ao lacerdismo e inclinado ao golpe. As eleições nacionais ocorreram, consagrando a vitória do PSD/PTB, com a dupla Juscelino Kubitschek / João Goulart. A UDN amarga uma terceira derrota com o com o general Juarez Távora. O golpe de Carlos Luz, que pretendia impedir a posse de JK, é frustrado pelo legalismo do ministro da Guerra, o general Henrique Lott, que dá um golpe preventivo, afastando Luz e colocando no poder o senador Nereu Ramos, garantindo, desta forma, a posse de JK.