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As Revoluções Inglesas

As Revoluções Inglesas

As chamadas Revoluções Inglesas do século XVII – a Revolução Puritana de 1640 e a Revolução Gloriosa de 1688 – marcaram o fim do modelo absolutista na Inglaterra e inauguraram o modelo de Monarquia Parlamentar no país.

CONTEXTO INGLÊS

Os antecedentes das referidas revoluções do século XVII, entretanto, podem ser encontrados muito antes. Em 1215, a nobreza inglesa impôs ao rei João Sem-Terra a Magna Carta, tida como a origem do Direito Constitucional inglês. Este documento representava uma miscelânea de princípios e limitações que os nobres ingleses impunham ao monarca. Um deles, entretanto, destaca-se em relação aos demais: o Bill of Rights. Segundo este princípio constitucional, sempre que o rei quisesse aumentar ou criar tributos, deveria ser convocado um conselho de notáveis para apreciar o pedido e dar o consentimento final. A despeito de se reconhecer ainda a autoridade real, e destes conselhos serem convocados e dissolvidos por vontade do rei, dava-se um importante passo na organização dos modernos parlamentos ingleses. A chave para se compreender as revoluções do século XVII se encontra neste princípio legislativo: a luta entre uma decadente Monarquia de caráter absolutista e um Parlamento querendo consolidar definitivamente o Bill of Rights.

Entre 1455 e 1485, a Inglaterra viveu uma terrível guerra civil conhecida como “Guerra das Duas Rosas”, entre as Casas de Lancaster e York. Ironicamente, a guerra teve seu desfecho com a ascensão da Casa Tudor ao poder em 1485, quando Henrique VII (1485-1509) tomou o trono. Começava a breve história da dinastia que daria aos ingleses dois de seus mais importantes monarcas: Henrique VIII (1509-47) e Elisabeth I (1558-1603).

OS TUDORS

Esta importante dinastia – já abordada no capítulo anterior – é constituída por cinco monarcas: Henrique VII, Henrique VIII, Eduardo VI, Maria I e Elizabeth I. Enquanto Henrique VIII se destaca pela centralização do poder real, uma vez que além do político, o rei também era líder religioso, sua filha e última monarca Tudor foi responsável por um dos períodos mais reconhecidos da história inglesa. Externamente, durante seu reinado, buscou o estímulo a atividade dos corsários, o início da fundação de colônias no ‘Novo Mundo’, além de derrotar a até então invencível armada espanhola de Felipe II, que sob patrocínio do Papa queriam derrotar a monarquia inglesa protestante. Internamente, incentivou a construção naval, estimulou o cercamento de campos, fortalecendo a burguesia. Entretanto, em 1603, Elizabeth I morre sem deixar herdeiros, iniciando uma nova dinastia: dos Stuart.

OS STUARTS

A Casa dos Stuarts, de origem escocesa viverá já nos primeiros momentos convulsões desestabilizadoras e posteriormente revolucionárias. É inicializada na Inglaterra, com a figura de Jaime I (1603-25), que já no princípio quase sofreu um atentado conhecido pela historiografia como “Conspiração da Pólvora”. Em 5 de novembro de 1605, um grupo de 13 nobres católicos pretendia explodir 36 barris de pólvora no prédio do Parlamento juntamente com a comitiva real. A data é comemorada até hoje na Inglaterra como feriado nacional. O fracasso do levante e a execução dos conspiradores teve como resultado uma dura repressão contra todos aqueles que não professavam a religião oficial anglicana estabelecida por Henrique VIII e consolidada no longo reinado de Elisabeth I. Os católicos encontravam morada segura em países que se mantiveram fiéis à Roma, apesar da Reforma do século XVI, principalmente na França. Os protestantes não anglicanos, tinham maior dificuldade em obter um local seguro. Para muitos destes indivíduos a emigração para a América era a solução mais acertada. A “Conspiração da Pólvora”, denominada pela historiadora Antonia Fraser como um dos “primeiros atos terroristas que se conhece”, acabou servindo como um poderoso catalisador para o processo de ocupação das chamadas Treze Colônias Inglesas Atlânticas da América do Norte. A perseguição também fomentou um clima de maior tolerância religiosa entre grupos religiosos residentes na América Inglesa.

Carlos I (1625-49), sucessor de Jaime I, monarca absolutista e anglicano, acabaria entrando em rota de colisão com um Parlamento composto por membros mais conscientes da necessidade de limitar os poderes de uma monarquia dispendiosa e perdulária que envolvia o Erário Real em gastos excessivos de ostentação e aventuras militares demasiadamente arriscadas. Os membros do Parlamento eram escolhidos mediante uma votação censitária nas principais regiões do país entre os nobres e clérigos (lordes) e burgueses (comuns). A venda de cargos públicos, título de nobreza e, sobretudo, a tributação sobre a população inglesa começaram a ser questionados pelo Parlamento. O Estado começava a ser encarado como algo público, não mais como um reino de propriedade particular do rei. O monarca, entretanto, mantinha a prerrogativa costumeira de somente convocar o Parlamento em caso de grave ameaça ou crise. Sempre que o Parlamento não condizia com as expectativas reais era dissolvido.

Os problemas de Carlos I, que levariam à sua deposição, começaram quando o próprio monarca tentou submeter a Escócia presbiteriana ao poderio anglicano inglês, que reagiu. Carlos I tentou convencer o Parlamento da necessidade de novos tributos para sustentar a guerra contra os escoceses. O Parlamento aprendeu a barganhar e impôs como condição o reconhecimento real do princípio constitucional do Bill of Rights, isto é, o Parlamento aprovaria os impostos necessários se o monarca reconhecesse a autoridade legislativa parlamentar. A recusa de Carlos I em ver seus poderes limitados por um Parlamento regular o levaram a dissolvê-lo e impor o Ship Money à nação, uma espécie de imposto que deveria ser cobrado de cidades portuárias para financiar a indústria naval. O Ship Money, entretanto, seria estendido a todo o país para financiar a guerra contra os escoceses e não recebera aprovação parlamentar, como exigia a Magna Carta. Um movimento nacional liderado por liderado por parlamentares em favor do boicote ao imposto levou o rei Carlos I a convocar novamente o Parlamento. A Casa Legislativa, desta vez, aumentou as exigências em troca da cooperação com Carlos I, reivindicando, além do reconhecimento e respeito do princípio do Bill of Rights, o comando do Exército, o qual era utilizado pelo rei para constranger os membros do Parlamento e dissolvê-lo. O que o Parlamento queria era efetivamente efetivamente restringir toda a autoridade militar e política do monarca.

A REVOLUÇÃO PURITANA

A recusa de Carlos I e a nova ameaça de fechamento da Câmara provocaram, desta vez, a reação dos membros do Legislativo, que se organizaram militarmente para enfrentar o rei. Foi o início da Guerra Civil Puritana, que perduraria por quase uma década, antagonizando os membros do Parlamento, denominados “cabeças redondas”, daqueles nobres que se mantiveram fiéis ao rei, os “cavaleiros”. Durante a Guerra Civil, destacou-se a figura de Oliver Cromwell, chefe do exército parlamentar. No fi nal da década de 1640, perdendo o conflito, Carlos I tentou se refugiar na Escócia, comprando o apoio de mercenários daquele país. Porém, foi capturado pelos escoceses e vendido como prisioneiro ao Parlamento inglês. Um fato inédito na História da Europa ocorrera: um monarca de pretenso direito divino era julgado por um Parlamento. Carlos I foi acusado de traição por tentar fechar a Casa do povo inglês e se associar aos estrangeiros. O rei pautou sua defesa exclusivamente no direito divino e no não reconhecimento da autoridade daquele tribunal parlamentar. Foi condenado à morte e decapitado. O problema do vazio de poder foi discutido pelo Parlamento, que acabaria sendo ocupado tiranicamente por Cromwell.

OLIVER CROMWELL

Uma das grandes contradições da Revolução Puritana foi o fato deste movimento, liderado pelo Parlamento contra um regime absolutista, ter se convertido em um instrumento para a instalação de um dos períodos mais autoritários e ilegítimos da História inglesa. O general Oliver Cromwell, um dos principais artífices do processo contra Carlos I, acabou se convertendo em “lorde protetor’, isto é, com apoio do Exército organizado pelo próprio Parlamento, Cromwell tornar-se-ia ditador, fechando o Parlamento e governando despoticamente com o apoio do Exército.

Protetorado de Cromwell

O Protetorado de Cromwell (1649-58) representou um período ditatorial no qual não somente a monarquia foi suprimida temporariamente, como os levellers e diggers, literalmente “niveladores” e “cavadores”, partidários de um liberalismo radical que advogava uma República igualitária, foram cassados. O período de Cromwell, a despeito de ter sido inegavelmente autoritário, organizou as bases de um Estado moderno que levaria a Inglaterra a se tornar a principal potência mundial até o século XX. O governo confi scou as propriedades dos cavaleiros partidários do anglicanismo de Carlos I, submeteu a Escócia e a Irlanda naquilo que os imperialistas ingleses denominariam — com um orgulho presunçoso e arrogante no século XIX — de Commonwealth e editou os Atos de Navegação, um conjunto de leis protecionistas que benefi ciavam sobremaneira a marinha mercante inglesa, ao determinar, entre outras coisas, que somente navios ingleses ou de pavilhão do país exportador poderiam realizar frete de mercadorias importadas pela Inglaterra. A medida afetou em demasia os interesses comerciais holandeses, gerando um conflito militar com este país. A vitória inglesa na guerra anglo-holandesa da década de 1650 concedeu aos ingleses a supremacia naval que construíram e mantiveram até o século XX.

O RETORNO DOS STUARTS

O historiador Woodward, em sua História da Inglaterra, escreveu que “Cromwell já trajava o púrpura e ostentava o cetro”, um modo sutil de dizer que Oliver Cromwell já se portava como um rei, pois fazia uso dos símbolos da Monarquia Absoluta. De fato, ele deixou um testamento indicando que seu filho Ricardo deveria sucedê-lo, o que não ocorreu pela falta de influência deste junto ao Exército e pela total ausência de legitimidade. O Exército procedeu pela investidura de poder a Carlos Stuart, filho do monarca decapitado na Revolução de 1640, que acabaria reinando até 1685 com o título de Carlos II.

Em seu governo, recebeu apoio da aristocracia e da alta burguesia. Apesar da expansão do comércio e das manufaturas, manteve os atritos entre a monarquia e o Parlamento.

A sucessão de Carlos II foi realizada pelo seu irmão, o duque de York, com o título de Jaime II. O novo monarca repetiu o erro de seu pai, tentando impor um poder absolutista a um país que tinha uma consciência parlamentar mais sensível do que qualquer outra nação europeia. Ademais, Jaime II tinha uma péssima inclinação religiosa para um país protestante: era católico. A ameaça de que um monarca pudesse iniciar um processo de aproximação com Roma e, principalmente, favorecer os católicos no governo e tomar medidas que prejudicassem os protestantes na administração pública, levaram o Parlamento a iniciar uma conspiração contra o rei. Devemos lembrar que há 150 anos que Henrique VIII editara o Ato de Supremacia, rompendo relações com o papado e estabelecendo o anglicanismo no país.

A REVOLUÇÃO GLORIOSA

A sucessão, aparentemente, poderia ser tranquila para os protestantes, pois Jaime II tinha apenas duas filhas, Maria e Ana, casadas com príncipes protestantes estrangeiros, o que garantiria a permanência da Inglaterra no rol de Estados europeus não alinhados com o papismo. O nascimento de um novo herdeiro, que por ser homem teria preferência na linha de sucessão, entretanto, revolucionou a História política inglesa. Um novo príncipe, influenciado por tutores e ministros católicos, poderia acabar com as pretensões protestantes no país. O Parlamento ousou com um golpe inusitado: a Coroa inglesa foi oferecida a Guilherme de Orange, um dos príncipes protestantes casado com uma das filhas de Jaime II. A relação conjugal manteria alguma legitimidade no movimento.

Guilherme de Orange se tornaria monarca se aceitasse se submeter ao Bill of Rights, o que acabou ocorrendo, e Jaime II acabou sendo deposto por inédito golpe parlamentar. Ao se submeter ao Bill of Rights, Guilherme de Orange recebia o título de Guilherme III e a Monarquia inglesa assumia finalmente o caráter de Monarquia Parlamentar, sepultando, definitivamente, a Monarquia de tipo absolutista. O rei reinava, mas não governava. O governo passava a ser prerrogativa do Parlamento, que indicava um primeiro-ministro para exercer as funções de Executivo.

A historiografia inglesa denominou este golpe político parlamentar de Revolução Gloriosa de 1688. A Revolução seria uma vitória do modelo liberal defendido por Jonh Locke, autor de Dois tratados sobre o governo civil, no qual defende as prerrogativas do Parlamento, a tolerância religiosa e o direito de propriedade privada.

Ilustração de Guilherme III e Maria II recebendo a Coroa inglesa.

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