América Latina no século XIX
O processo de independência da América espanhola está intimamente relacionado com o contexto europeu da época.
CONTEXTO HISTÓRICO
As invasões napoleônicas na Península Ibérica, no final de 1807, comprometeram a existência da soberania das Coroas de Espanha e Portugal. O ministro espanhol Manuel Godoy acreditava que poderia tirar vantagem de uma aliança com Napoleão Bonaparte. Objetivava dividir o reino de Portugal, ao permitir a passagem das tropas francesas em seu território para destituir a Monarquia de Bragança, que não respeitava o Bloqueio Continental de 1806. Napoleão I, entretanto, preferiu reafirmar sua posição de potência continental hegemônica e tratou o acordo com Godoy como se fosse um mero pedaço de papel sem valor. Como o imperador francês não obteve uma posição de total subordinação do rei Carlos IV, tampouco do herdeiro Fernando, decidiu encarregar seu próprio irmão da governança da Espanha. Desta maneira, as colônias americanas não tinham mais metrópole.
A Revolução que provocou a independência da América Espanhola está na mesma trilha do processo de libertação da América do Norte, guardadas as devidas diferenças históricas. No processo espanhol, além de evidenciar a crise do Antigo Sistema Colonial, encontramos um forte eco iluminista e a vanguarda de uma elite local, denominada criolla. Estes ricos descendentes de espanhóis nascidos na América se colocaram contra a metrópole, sobretudo, pelas seguintes razões:
• proibição de ocupar cargos administrativos na América – limitados aos peninsulares ou chapetones.
• existência do Pacto Colonial, com suas restritivas regras comerciais.
Os criollos, reunidos em seus cabildos ou Câmaras Municipais, formariam Juntas Governativas contra o domínio espanhol.
PROCESSO DE EMANCIPAÇÃO
O Ato de Abertura dos Portos Coloniais de 18 de novembro de 1797, forçoso aos metropolitanos pela incapacidade da Espanha de dar conta do comércio colonial, provocou uma euforia de livre-comércio com as nações europeias, os Estados Unidos e regiões coloniais americanas, que suscitou a própria superação do status quo colonial. A Espanha, na realidade, havia sido transformada pelos criollos em uma decadente e indesejada intermediária. A revogação do Ato, em 18 de abril de 1799, apenas contribuiu como um catalisador para as insatisfações americanas que levariam ao processo definitivo de independência. A despeito dos repetidos esforços no sentido de impor o Pacto Colonial, a Espanha não conseguiu, na prática, retomar o exclusivismo metropolitano. Em 1795, antes mesmo da quebra oficial do monopólio hispânico, segundo o historiador francês Pierre Chaunu, os comerciantes dos Estados Unidos já eram responsáveis por volumes de exportações e importações com a América Espanhola que ultrapassavam a casa dos 3 milhões de dólares.
Em 1806, o liberal nacionalista Francisco de Miranda, uma espécie de preceptor de Simón Bolívar no processo de independência da América Espanhola, fez a primeira tentativa malograda de rompimento com a Espanha. Miranda acabaria morrendo em uma prisão em Cádiz. Posteriormente, uma tentativa de intervenção inglesa na bacia do Prata foi repelida por peninsulares e criollos, o que ainda mostrava um laço de solidariedade entre os espanhóis de hierarquias distintas. A independência viria juntamente com Napoleão. Na Península, o imperador conquistador iniciou uma luta aguerrida no campo diplomático para ganhar a lealdade das colônias. A disputa foi travada entre a Junta Insurrecional — que pretendia representar uma Espanha livre, após a abdicação de Carlos IV e Fernando VII — e a nova Monarquia de José Bonaparte imposta pelo nepotista Napoleão I. No final de 1808, a balança pendeu para a Junta de Sevilha, como ficou evidente quando peninsulares e criollos deram brados de “viva Fernando VII”! O matrimônio, entretanto, seria breve.
A figura acima representa a imagem do Monarca Fernando Vll.
OS MOVIMENTOS EMANCIPATÓRIOS
Em 5 de julho de 1811, uma grande reunião de cabildos ocorreu em Caracas, proclamando a independência venezuelana. A nova Constituição foi um modelo tão fiel da Carta norte-americana que poderia ser suspeita de mero plágio. Em 30 de julho de 1812, entretanto, a reação metropolitana esmagou o movimento venezuelano e o revolucionário Miranda capitulou. Em dezembro de 1811, Quito proclamou sua independência.
Em 25 de maio de 1810, Manuel Belgrano declarou a independência argentina. Das Províncias Unidas do Rio da Prata, o movimento sedicioso se espalha como rastilho de pólvora para os países vizinhos. No Paraguai, Yegros e José de Francia declararam a independência. No ano seguinte, Bernardo O’Higgins proclamou a independência do Chile. Os espanhóis, contudo, mantiveram firme resistência no Vice-Reino do Peru.
Os mexicanos assistiram dois movimentos de independência malograrem: a frustrada e precoce tentativa do vice-rei Iturrigaray e o movimento popular do padre Hidalgo que, sob o pavilhão de Nossa Senhora de Guadalupe, incitou indígenas e mestiços a procurarem a liberdade. Apesar da execução de Hidalgo em julho de 1811, o padre criollo Morelos prosseguiu com a sua luta em 1813.
O grande nome da independência da América Espanhola, contudo, é o de Simón Bolívar. Dois países renderam-lhe homenagem: a República de Bolívia e, mais recentemente, a República Bolivariana da Venezuela. Assim como é impossível andar pela América, da Venezuela a Bolívia, sem passar por uma Calle Bolívar ou Plaza Bolívar, é impossível falar em independência da América Espanhola sem falar em sua trajetória e atuação. O “libertador”, como também é conhecido, proclamou em dezembro de 1812, a segunda República da Venezuela. O projeto de Bolívar, inicialmente, teve o mesmo insucesso de Miranda. Bolívar, para evitar o mesmo destino de seu antecessor, foge para a Jamaica em maio de 1815. Quito seria retomada ainda em 1812. Morelos, em 1814, também sofre a reação realista e seu ambicioso projeto separatista popular é rechaçado pelas forças reacionárias de Itúrbide. A Junta de Chilpancingo é dissolvida e Morelos tem o mesmo destino de Hidalgo, sendo executado em dezembro de 1815. No Chile, a situação seria a mesma. Somente os países do Vice-Reino do Prata esboçam uma aguerrida resistência contra a Espanha.
A figura acima representa a imagem de Simón Bolívar.
Em 1815, após o Congresso de Viena, Fernando VII recupera o trono. Um dos primeiros esforços do monarca espanhol consiste em revogar a Constituição napoleônica de 1812, recheada de princípios liberais que contradiziam a mais tradicional moda absolutista de Espanha. Bolívar, contudo, iniciaria em 1° de janeiro de 1817 o irreversível processo de independência da América Espanhola, ao desembarcar com um pequeno exército de patriotas de volta do exílio. Com uma força militar heterogênea, que combinava criollos, índios llaneros e estrangeiros veteranos das campanhas napoleônicas, o “libertador” conquistou Nova Granada e, posteriormente, em 1819, rasgou os Andes, promulgando a independência por cada país que passou. Em 1819, a Colômbia foi finalmente libertada, sendo acompanhada, em 1821, pela Terceira República venezuelana. Em 1814, San Martin, sucessor de Belgrado, organizou o processo militar que consolidaria a independência da Argentina, Bolívia e Chile. Os mercenários ingleses foram bem-vindos desta vez, como Lord Cochrane. Em março de 1816, no Congresso de Tucumã, a união nacional Argentina congregou em favor da independência.
A situação no Peru, contudo, ainda foi de resistência espanhola. A provável participação indígena no processo de independência tornou a elite criolla peruana resistente à aventura política. A rebelião inca de Tupac Amaru do século XVIII, ainda estava fresca na memória. A ação de San Martin, entretanto, promovia a independência do Peru em 1821. A resistência espanhola foi sentida até 1842, quando Antônio José Sucre destruiu os últimos focos realistas na famosa batalha de Ayacucho. A América Central tornou-se livre em 1824. A Bolívia se desmembrou do Peru em 1825 e a Província Cisplantina se tornou independente do Brasil em 1828, assumindo o nome de República Oriental do Uruguai.
No México, Itúrbide, que havia sufocado a independência e executado Morelos, recebeu as notícias sobre a Revolução de 1820 na Espanha e resolveu satisfazer suas ambições pessoais, proclamando-se imperador Augustín I, em 18 de maio de 1822, com apoio dos aliados de véspera na luta contra Morelos: a elite criolla e o alto clero. O novo imperador, entretanto, tão despótico quanto a Espanha de outrora, entrou em conflito com a Assembleia Nacional, sendo obrigado a abdicar em 19 de março de 1823. Uma tentativa de golpe do imperador fracassa e Itúrbide é fuzilado em 18 de julho de 1824.
No Haiti, a Espanha fundou a sua primeira fortificação na América em 1492 na ilha Hispaniola, dividida atualmente em Haiti e República Dominicana. Em fins do século XVI franceses se estabeleceram na parte oeste da ilha e em 1691 a Espanha cedeu, por meio de um tratado, a parte ocidental, fundando ali a colônia de São Domingos. Em 1791 François-Donminique Toussaint Louverture, liderou uma rebelião que resultou na abolição da escravidão no Haiti, além de efetuar a execução de proprietários brancos e o confisco de terras, que foram distribuídas aos negros. Em 1793 os jacobinos assumem o poder na França e decretam o fim da escravidão nas colônias francesas. Louverture ascende ao poder e conquista também a parte oriental da ilha (pertencente à Espanha), mas os brancos e mestiços se opõem ao seu governo. Aproveitando-se do enfraquecimento do poder de Louverture, Napoleão enviou em 1801 uma expedição para retomada do controle francês sob a ilha. Louverture foi preso e deportado para França. Porém Jean-Jacques Dessalines assumiu o controle e em 1804 proclamou a independência da colônia. O novo estado recebeu o nome de Haiti.
A figura acima representa a imagem de Jean – Jacques Dessalines.
CONSEQUÊNCIAS
As duas nações mais interessadas no processo de independência da América espanhola eram a Inglaterra e os Estados Unidos. O primeiro-ministro inglês George Canning, e o presidente dos Estados Unidos James Monroe, prestaram valioso auxílio diplomático no sentido de reconhecer prontamente a independência das ex-colônias. Os ingleses estavam interessados na manutenção do livre-comércio que beneficiava suas nascentes indústrias e os norte-americanos, através da Doutrina Monroe (1823), iniciavam um processo que culminaria com a hegemonia dos Estados Unidos no continente. A América Espanhola, à exceção de Cuba e Porto Rico, que somente seriam abandonados em 1898, estava livre do domínio real de Fernando VII.
O grande sonho de Bolívar, depois da independência, era a manutenção da unidade da outrora colônia espanhola na América. Seu desejo, anunciado formalmente no Congresso do Panamá (1826), alcunhado de “pan-americanismo” ou “bolivarismo”, foi frustrado pelas divisões e particularismos da América Espanhola. Bolívar advertiu que sobre o seu túmulo surgiriam centenas de ditadores. De fato, posteriormente, nasceu um fenômeno denominado “caudilhismo”, no qual os líderes da América Espanhola livre se converteram em autoridades militares inclinadas a regimes autoritários que governavam à margem de preceitos constitucionais. O caudilhismo, juntamente com os debates entre centralistas e federalistas, seria a tônica da América espanhola após a independência.