A Renúncia de Jânio Quadros e a Constante Instabilidade de Jango
Jânio Quadros foi um verdadeiro fenômeno político. De vereador de São Paulo, chegou à Presidência da República de modo meteórico.
GOVERNO JÂNIO QUADROS (1961)
Jânio chegou a ser eleito deputado por dois estados diferentes e por dois partidos diferentes em uma mesma eleição. Era virtualmente imbatível com seu estilo de amador sem compromisso com os políticos tradicionais, empregando um discurso de moralização do Brasil e utilizando um marketing de campanha que incluía desmaios durante os comícios e emprego de pó nos ombros do paletó para simular uma caspa populesca, sanduíches de mortadela entre um comício e outro e a vassoura como símbolo da corrupção que seria varrida do país. O general Lott, candidato da situação, foi atropelado por Quadros.
O Governo Jânio Quadros, entretanto, seria um dos mais curtos e frustrantes personagens da História. O presidente adotou o amargo tratamento de choque do Fundo monetário Internacional (FMI), que consistia, basicamente, em aplicar medidas de austeridade econômica, como a desvalorização do cruzeiro, o corte de subsídios do trigo e do petróleo e o aumento da arrecadação de impostos. Em suma, atitudes impopulares que acarretavam o aumento do custo de vida. Ademais, o presidente tomou uma série de medidas incabíveis, tais como a proibição de beijos em público e de brigas de galo. O país necessitava de um estadista e ganhava um delegado de costumes.
No plano das relações internacionais, porém, o governo inaugurou a Política Externa Independente, uma guinada de 180° na política externa brasileira, que tinha como principal objetivo buscar novos parceiros comerciais para o país, inclusive com aqueles do bloco socialista e as nações da África portuguesa que passavam pelo processo de descolonização. A condecoração do ministro da Economia de Cuba, Che Guevara, foi o bastante para o jornalista Carlos Lacerda, da UDN, romper publicamente com Jânio Quadros. O presidente perdia sua frágil base parlamentar no Congresso.
Em 25 de agosto de 1961, Dia do Soldado, o presidente Jânio Quadros apresentou à nação sua carta de renúncia. O seu último ato presidencial foi um terrível equívoco, uma tentativa de golpe mal arquitetada. O objetivo de Jânio Quadros era criar um clima de comoção nacional de tal modo que os ministros militares, o Congresso e a população pedissem para que ele ficasse. Seu objetivo era negociar sua permanência na presidência da República com poderes excepcionais. A população, frustrada com as medidas econômicas rígidas e com os decretos moralistas de Quadros, não reagiu como o presidente esperava. Os ministros militares se limitaram a publicar um manifesto atestando que o vice-presidente, João Goulart, que se encontrava em visita oficial à China comunista, não assumiria a Presidência da República por representar um perigo aos quadros democráticos e constitucionais, pois alegavam que Jango seria apoiado por elementos do clandestino Partido Comunista.
GOVERNO JOÃO GOULART (1961 – 1964)
O Congresso, segundo a Constituição, não tinha poderes para negociar uma renúncia, que era um ato unilateral do presidente. A única obrigação do Congresso era investir os poderes ao vice.
A primeira grave crise política que Goulart enfrentou ocorreu antes mesmo de tomar posse. Quando o almirante Heck e o brigadeiro-do-ar Moss declararam publicamente que o “Sr. João Goulart constituir-se-á, sem dúvida alguma, no mais evidente incentivo a todos aqueles que desejam ver o país mergulhado no caos, na anarquia, na luta civil. As próprias Forças Armadas, infiltradas e domesticadas, transformar-se-iam, como tem acontecido noutros países, em simples milícias comunistas.” Os militares mais extremados chegaram a desenvolver uma operação militar, denominada Mosquito, que previa a derrubada do avião presidencial se este entrasse no espaço aéreo nacional.
O governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, aliado ao general Machado Lopes, comandante do III Exército, defendeu a Constituição, utilizando o rádio para fazer a Cadeia pela Legalidade. Brizola era do mesmo partido de Goulart, o PTB, sendo de uma ala do partido conhecida como “esquerda negativa”. Ele ainda era cunhado de Goulart e cultivava a pretensão de concorrer à Presidência da República nas eleições de 1965, quando lançaria o slogan “cunhado não é parente, Brizola presidente”. A falta de unidade nas Forças Armadas, contudo, foi o fiel da balança. Posteriormente, em 1964, não existiriam sérias dissidências que ameaçassem a ação militar dos conspiradores.
Os ministros militares chegaram a enviar o general Cordeiro de Farias para Santa Catarina com o intuito de um futuro embate com as tropas do general Machado Lopes. O país estava à beira de uma guerra civil por conta da bandeira anticomunista de parcela significativa das Forças Armadas brasileiras. A guerra, entretanto, foi evitada graças a uma solução política negociada: a Emenda Parlamentarista. O sistema parlamentarista era um paliativo, pois garantia a posse de Goulart, ao mesmo tempo em que retirava os poderes políticos do Executivo federal e o transmitia para o Congresso Nacional, que indicaria um Primeiro-Ministro. Desta forma, Goulart poderia voltar ao Brasil e tomar posse. O primeiro-ministro do Brasil, neste período, foi o político mineiro Tancredo Neves. Juscelino Kubitschek, que na época era senador, declarou que “a Emenda Parlamentarista foi aprovada por pressão militar”. O sistema parlamentar, entretanto, teve vida curta: em 6 de janeiro de 1963, um plebiscito aprovou o retorno ao regime presidencial. Cabe destacar que a emenda constitucional que possibilitou a experiência parlamentar no Brasil apenas permitia este modelo provisoriamente, marcando para 1965 um plebiscito para confirmar sua adoção. No entanto, devido a fragilidade e impopularidade do regime parlamentar, que dificultava uma administração eficaz no país, este plebiscito foi adiantado, onde o presidencialismo foi escolhido novamente por mais de 9 milhões de brasileiros.
Os conspiradores, civis e militares, argumentavam que Goulart facilitava a “infiltração comunista”, colocando em risco os princípios democráticos e cristãos da sociedade brasileira. Os militares da Escola Superior de Guerra denunciavam a existência da “guerra revolucionária” comunista no Brasil, dentro de um discurso militarista característico da Guerra Fria. A base política de Goulart − a classe trabalhadora urbana −, cerne de sua prática, colocava em alerta os setores mais conservadores do país: os empresários se reuniram no complexo IPES/IBAD contra o governo; os setores católicos mais radicais fundaram a Tradição, Família e Propriedade.
Em uma tentativa de conter a inflação, trazer estabilidade e desenvolver economicamente o país, o Governo Jango lançou o Plano Trienal, desenvolvido por Celso Furtado. A partir da restrição de créditos, diminuição de gastos públicos e congelamento de salários, o que desagradou diversos setores da população brasileira, previa diminuir significativamente a inflação. No entanto, pela impopularidade das medidas que este plano necessitaria para sua consolidação, meses depois fadou-se ao fracasso. Entretanto, cabe destacar que este plano também buscava, em conjunto, implantar uma série de mudanças no país, chamadas pelo presidente de Reformas de Base. Em grande medida, buscariam profundas transformações nos setores tributário, financeiro, administrativo e agrário – onde este último ganharia especial atenção durante os anos de 1963 e 1964.
Estas propostas mexeram com os ânimos de seus apoiadores e opositores, obtendo desde o princípio obstáculos para sua consolidação. As propostas de reforma agrária causavam desconfiança tanto do governo dos Estados Unidos, quanto internamente, por parte de grandes latifundiários, setores da classe média, membros da UDN, dentre outros grupos.
Em meio a discussões sobre as propostas, no Nordeste a personalidade de Francisco Julião emerge liderando as Ligas Camponesas, na defesa da Reforma Agrária, proposta pelo plano de Goulart. Em conjunto, forças sindicais aliavam-se a favor tanto destas medidas, como por melhorias salariais, onde o Comando Geral dos Trabalhadores organizava estas forças. A realidade brasileira encontrava-se cada vez mais bipolarizada. Nos jornais, nas rádios, nos debates públicos, nas ruas, nos ambientes de trabalho. A campanha de desestabilização do governo Goulart era amplamente realizada por setores ligados aos Estados Unidos, pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) e Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), políticos da UDN, assim como governadores de estados oposicionistas como Ademar de Barros (SP), Magalhães Pinto (MG) e Carlos Lacerda (Guanabara).
A situação agravou-se após o Comício da Central do Brasil, onde em 13 de março de 1964, Goulart apresenta efetivamente sua promessa: as reformas de base, que tinham como ponto principal a alteração de dispositivos constitucionais, como por exemplo, acerca da prévia indenização aos proprietários de terras que fossem atingidos pela Reforma Agrária. Nestas reformas, debatia-se inclusive a concessão de voto aos analfabetos, a reforma tributária e a nacionalização de refinarias de petróleo. O comício teve, porém, um efeito colateral desastroso: os militares, reunidos no Ministério da Guerra, assistiram à manifestação política infectada por bandeiras vermelhas que exigiam a legalidade do PCB e solidariedade ao regime cubano de Fidel Castro.