Estude com quem mais aprova. escolha um plano e faça parte dos milhares de alunos que são aprovados todos os anos com o Proenem
Search

Intertextualidade (implícitos e explícitos)

Aprenda sobre Posto, Pressuposto, Subentendido e Inferência.

Leia este poema de Adélia Prado:

Com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,

desses que tocam trombeta, anunciou:

vai carregar bandeira.

Cargo muito pesado pra mulher, esta espécie ainda envergonhada. Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir.

Não sou feia que não possa casar, acho o Rio de Janeiro uma beleza e

ora sim, ora não, creio em parto sem dor. Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos

— dor não é amargura.

Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô.

Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou.

(PRADO, Adélia. Poesia Reunida. São Paulo: Ed. Siciliano, 1991.)

Compare-o com a primeira estrofe do Poema de Sete Faces, de Carlos Drummond de Andrade:

Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra

disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida. […]

(ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia e Prosa.Rio de Janeiro: Ed. Nova Aguillar, 1983.)

O poema original de Carlos Drummond fala em um anjo, desses que vivem na sombra, que anuncia: “Vai, Carlos, ser gauche na vida”. Gauche é a palavra francesa que significa “esquerda” e, por extensão, é usada no sentido de “desajustado”, “errado”. Para Adélia, ser esse “esquerdo”, “torto”, ou “andar fora dos padrões” é coisa para homem. Para ela, mulher é desdobrável, é forte, adapta-se. O poema trata exatamente dessa mulher não idealizada, que vive o dia a dia, que sofre, luta, tem tristezas, mas também alegrias: “Minha tristeza não tem pedigree, / já a minha vontade de alegria, / sua raiz vai ao meu mil avô.” Essa mulher, reconhecidamente tolhida, “esta espécie ainda envergonhada”, acanhada por não poder gritar seus anseios e desejos, mas que se reconhece mulher: “Não sou feia que não possa casar, / acho o Rio de Janeiro uma beleza e / ora sim, ora não, creio em parto sem dor”. E também faz valer seu traço mais feminino, a emoção autêntica, visceral: “o que sinto escrevo”.

O poema Com licença poética, de Adélia Prado, dialoga com o  poema Carlos Drummond de Andrade. A essa relação entre dois textos dá-se o nome de intertextualidade. Vejamos outro exemplo de intertextualidade para esse mesmo poema de Drummond:

Let’s play that

Quando nasci

um anjo louco solto pouco morto veio ler a minha mão.

Não era um anjo barroco.

Era um anjo louco louco louco e com asas de avião.

E eis que o anjo me disse apertando a minha mão entre um sorriso de dentes:

Vai, bicho, desafinar o coro dos contentes.

(NETO, Torquato. In CAMPEDELLI, Samira Youssef. Poesia Marginal dos anos 70. São Paulo: Scipione, 1995.)

Sabendo que no texto de Drummond a palavra gauche tem o sentido de romper com as tradições, ser “torto”, seguir fora dos padrões, percebe-se como se dá a intertextualidade, o diálogo entre a postura do eu lírico dos dois poemas. Ambos têm seu destino anunciado por um anjo. No primeiro texto, a ideia de um “anjo torto, desses que vivem na sombra”; o segundo, um “anjo louco e com asas de avião”. No poema de Drummond existe a referência contrária ao Romantismo, ao lirismo do século XIX; no texto de Torquato Neto, a visão da modernidade tropicalista da década de 60. No destino dos dois a mesma sentença: romper a estrutura do convencionalismo, tanto social, quanto literário.

A música popular brasileira também parafraseou Drummond. Veja este exemplo de Chico Buarque:

Quando nasci veio um anjo safado,

um chato dum querubim

e decretou que eu estava predestinado

a ser errado assim…

(HOLLANDA, Chico Buarque de. Até o Fim. CD Chico Buarque. Polygram, 1978).

Em seu ensaio Coesão e coerência em textos jornalísticos, o professor André Valente explicita dois exemplos que tratam de uma intertextualidade a que chama de implícita, pois fazem uma alusão a outros textos, sem necessariamente repeti-los. Veja:

“Muito gogó e pouco trabalho, os males do governo são.”

(Elio Gaspari, Folha de S.Paulo, 30/05/99).

A intertextualidade se dá à medida que Gaspari alude à passagem de Mario de Andrade em Macunaíma:

“Muita saúva e pouca saúde, os males do Brasil são.”

Em outro exemplo, o professor Valente expõe um anúncio de uma loja de roupas:

“A concorrência que nos desculpe, mas beleza e preço baixo são fundamentais.

Aumente suas chances.”

Aqui, a intertextualidade se apresenta como uma referência aos versos do poema Receita de Mulher, de Vinicius de Moraes:

“As muito feias que me desculpem, mas beleza é fundamental.”

POSTO, PRESSUPOSTO, SUBENTENDIDO E INFERÊNCIA

O conceito de pressuposição está intimamente ligado ao jogo discursivo que a linguagem constrói dentro de um contexto. Não há enunciado que possa ocorrer fora de um contexto. Por isso, encara-se a descrição  semântica como um fenômeno heterogêneo que inclui além de fatores linguísticos, fatores sociológicos e psicológicos, que participam da manifestação dos enunciados. Tal fato permitiria fazer uma leitura mais abrangente de frases como “Que belo dia!”, cujo sentido, às vezes, pode ser o de um dia péssimo para o autor da frase. Dessa maneira, estabelece-se a diferença entre dois conceitos, o de conteúdo posto e de conteúdo pressuposto. O posto revela a informação contida no sentido literal na superfície da sentença; o pressuposto revela as informações que são interpretadas a partir da enunciação das sentenças.

Tomemos a seguinte frase como demonstração:

Pedro deixou de fumar.

A ideia de que Pedro não fuma mais é o conteúdo posto, do qual se infere o conteúdo pressuposto:

Pedro fumava antes.

Junto a esses dois conceitos básicos no jogo argumentativo, inclui-se o conceito de implicatura, o que está subentendido, que se define como um tipo de inferência pragmática baseada não no sentido literal das palavras, mas naquilo que o locutor pretendeu transmitir ao interlocutor. No exemplo, se pensássemos numa situação em que o locutor julga ser o interlocutor um contumaz tabagista, a sentença poderia sugerir uma conselho implícito, por exemplo. Essa informação estaria subentendida e não pressuposta.

A distinção do conceito de implícitos – pressupostos ou subentendidos – pode se dar no plano sintático. Os pressupostos aceitam certas modificações sintáticas como a negação e a interrogação, enquanto os subentendidos não aceitam tais modificações:

Pedro parou de fumar?

É falso que Pedro parou de fumar.

Nas duas ocorrências, o conteúdo pressuposto se mantém: Pedro fumava antes. Esse teste, normalmente, não se aplica ao sentido subentendido.

O pressuposto deve ser interpretado a partir de um conhecimento compartilhado entre os interlocutores; a frase [Pedro parou de fumar] só fará sentido ao interlocutor se ele souber previamente que Pedro fumava.

O subentendido deve ser interpretado a partir da intenção do interlocutor e a partir do reconhecimento do jogo discursivo, o que está implícito em tal frase.

Veja um exemplo extraído de uma propaganda de lojas de roupas femininas:

Se você pergunta pro seu marido se está linda, e ele responde que te ama de qualquer jeito, tá na hora de falar com a gente.

Repare que na fala do marido há um jogo linguístico implícito: se ele [o marido] ama a mulher “de qualquer jeito”, percebemos a ideia subentendida de que ele não concorda com o fato de ela estar linda, por isso a resposta que a ama de qualquer jeito. Embora o marido não diga que não acha a mulher linda, tal ideia fica subentendida pela resposta que ele dá a ela.

Leia este texto humorístico:

Adão e Eva

Um francês, um inglês e um brasileiro estão no Louvre, diante de um quadro de Adão e Eva no Paraíso.

Dizia o francês:

– Olhem como são bonitos! Ela é alta e magra; ele, másculo e bem cuidado. Devem ser franceses! E o inglês:

– Que nada! Veja os olhos deles, frios, reservados… só podem ser ingleses!

– E o brasileiro: – Discordo totalmente! Olhem bem: não têm roupa, não têm casa, só têm uma maçã pra comer e ainda pensam que estão no paraíso. Só podem ser brasileiros!

Os três personagens tiram conclusões a respeito do quadro que estão vendo baseados em informações próprias. Estão, na verdade, fazendo inferências a respeito de alguma coisa. Assim, inferir é o processo de raciocínio pelo qual se conclui alguma coisa a partir de outra já conhecida.

No texto, os personagens inferem a origem de Adão e Eva a partir das características típicas dos povos dos quais eles mesmos, os personagens, são de origem.

Para se compreender uma mensagem e inferir corretamente uma ideia é preciso, muitas vezes, que os interlocutores detenham informações anteriores ao diálogo. Veja esta tira:

(Fonte: Caderno Vida e Arte, Jornal do Povo, Fortaleza.)

Note que Garfield faz uma referência a Van Gogh, pintor holandês nascido em 1853, um dos principais nomes da pintura mundial, que perdeu uma orelha. Sem essa informação, o interlocutor teria dificuldade de entender o humor da tira. É de Van Gogh o quadro abaixo:

(VAN GOGH. Autorretrato de orelha cortada)

CADASTRE-SE

E receba em primeira-mão todas as novidades dos Vestibulares, Ofertas, Promoções e mais!